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Ventanias

 

Luís sempre colhera boas inspirações poéticas das alterações da disposição da atmosfera.
"Que não se largue para o mar com sinais atmosféricos ameaçadores, com os instrumentos de observação indicando mau tempo ou um boletim meteorológico mal encarado. É preceito que a sabedoria e a prudência mandam e não há que aconselhar."
Mau tempo: aguaceiros, saltos de vento, temporal desfeito.
"Quando o horizonte se cobre de grande paredão de nuvens, de aspecto carregado, acompanhado de chuvas intermitentes, forte vento com rajadas violentas e mar agitado de grosso cachão ou escarcéus, devemos ter por certo um temporal e então atenderemos aos conselhos que se seguem, tomando em conta que a duração dos temporais é vulgarmente de três a sete dias."
Luís lembra-se bem da advertência em tom grave de Henrique:
-"O marinheiro tem, a todo o momento, de estar preparado para a luta e, assim, ao menor indício, deve, se está fundeado em mau sítio, procurar imediatamente melhor fundeadouro e, se não houver um que seja seguro, fazer-se ao mar."
Recordava os procedimentos: arriar todas as velas auxiliares; pôr prontos a agir os cabos e restante material necessário, pondo bem clara a manobra; substituir as escotas que não sejam de confiança; acaçapar os mastaréus e tesar bem a enxárcia; aprontar a manobra de rizar; pronta e safa a âncora flutuante; fechar todas as escotilhas e tapar bem tudo o que possa dar entrada à água para o interior do navio.
"Quando, na iminência de um paspalhão, que é um aguaceiro com salto de vento, há um recalmão, deixam-se todas as escotas completamente folgadas para que as velas não apresentem resistência ao entrar de novo o vento e, conhecido o seu rumo, orienta-se prontamente o pano, sem dar volta às escotas, aguentando-as na mão, sob volta, para as folgar se o barco adormecer."
Luís sabia que adormecer era ficar adornado, não se adriçando, não voltando à posição normal após uma rajada. O grande perigo era o barco receber os golpes de mar lateralmente, atravessar-se ao mar. Nessa situação, o balanço do casco é tal que se arrisca a rebentar os ovens e desarvorar o mastro. Então, há que ter a lucidez de aproveitar um dos fugazes decrescimentos da vaga, que acontecem entre três ou quatro grandes, uma ou duas de menor dimensão, força e violência.
Outras manobras aprendera Luís, como capear, que era aguentar-se de proa ao mar, e correr com o tempo.
Mas o saber principal era a escolha ajuizada entre as várias manobras, adequando a sua preferência ao tamanho e tipo de construção do barco.
Conforme o tipo, as características permitem diferentes manobras: os cheios de amuras são bons para a capa e os fracos de popa maus para a corrida.
-"Os pequenos defendem-se melhor capeando do que correndo."
Às vezes, tinha-se de aguentar fundeado um temporal, aguardando uma sota, ocasião propícia.
Foi numa dessas vezes que ficou surpreendido ao ver usar-se azeite, deitando-o pela proa, e espalhando-o uns metros em volta do casco.
Sem dúvida mais surpresos ficariam os camponeses se lhes contassem essa insuspeita utilidade do fruto oliva que viam solenemente enraizado pelas suas também verdes - mas sólidas - encostas...


José Jorge Frade

Capítulo 16 de "Lúcido Mar"
 
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