Ana contemplava Henrique sabendo já distante o esforço de mudar as rotas perdidas.
-"Sem nuvens o céu e estrelas sem brilho
Verás que a tormenta te põe num sarilho."
Ela e ele tiveram de romper com o isolacionismo, a solidão voluntária, sem sentido, rasgaram o passado da sua pele, tiveram de matar a vacilação.
-"Quando a passarada berra,
O marinheiro procura terra."
Agora o seu rosto era duro de expressões, de feições talhadas pelo sol, mas Ana conhecia bem a ternura daquelas mãos.
-"Lua à tardinha com o seu anel,
Dá chuva à noite ou vento a granel."
Wirsung recordava como tinha ficado perplexo quando ela lhe dissera, na explanada do Hotel Esperança, o que se sucedeu à fuga de Lovat-Erin, pois não acreditava, enquanto psiquiatra, que fosse possível sair daquele estado.
-"Poucos fuzis, trovões em barda,
Rumo em que o vento se alaparda."
No entanto, percebeu que ele precisava de navegações, só isso lhe traria confiança em si próprio, segurança, alegria e luz, e fôra precisamente Ana que o conseguira.
-"Volta direita, vem satisfeita.
Volta de cão, traz furacão."
Só o amor tem a força suficiente, por isso é tão necessário, para mover o inabalável, fazer renascer o que está morto.
Ana ouvia agora o que ele dizia aos companheiros, ao som de fundo das ondas e dos gritos das gaivotas, ensinando a manobra de virar em roda, que é mudar de amuras passando com a popa pela linha do vento:
-"Mete-se o leme de encontro devagar, dando salto à adriça de pique e caçando a escota grande. Logo que o vento esteja na roda, cambam as velas de proa e a retranca, que nesta ocasião já deve estar a meio. Passando o vento ao outro bordo, iça o pique e caçam as escotas de proa, mareando conforme o rumo. Com os brandais volantes manobra-se como para virar por d'avante."
Ana tinha grande prazer em sentir o movimento dessa outra manobra, mudando de amuras fazendo passar a proa pela linha do vento, por isso era a sua preferida, gostando nessas alturas de ficar na parte mais próxima do beque.
-"Atravessar é fazer parar o navio com o pano largo, de forma a só abater, e nem seguir a vante, nem cair a ré. Orça-se um pouco a perder seguimento. Depois, folga a bujarrona, aquartela a de estai, ala a retranca a meio e põe-se o leme todo de ló."
Gostava de ficar na proa, sentindo o balanço do navio, da proa à popa, acompanhando a ondulação da vaga, no movimento que os marítimos chamam de galear.
José Jorge Frade
Capítulo 15 de "Lúcido Mar"