Seguiam os sete companheiros ao largo da costa, distinguindo-se ainda, ao longe, a Serra da Arrábida.
Henrique comandava a pequena embarcação à vela, ajudado por Domingos e Luís. Continuava as explicações, porque todos a bordo tinham de saber os rudimentos da navegação, "em caso de necessidade". Luís já se movia com desembaraço entre cabos e panos.
Tinham-se encontrado todos juntos, pela primeira vez, numa reunião do Partido, em que decidiram esta nova navegação.
-"A mareação do pano é a orientação dada às velas, de forma a conseguir o maior efeito para seguir avante. No pano redondo, tem-se como regra geral que a direcção da verga é a bissectriz do ângulo formado pela quilha e a direcção do vento. Nos barcos latinos, que têm as suas linhas de bolina muito mais cingidas ao vento, depende das qualidades náuticas do navio e, conforme têm tendência a aguçar-se ou arribar-se, assim se deve compassar."
Ana pediu que explicasse o significado desses termos.
-"Arribar é obrigar o navio a afastar a proa da linha do vento. Orçar é obrigar o navio a aproximar a proa da linha do vento. O navio é ardente ou vivo quando tem tendência para orçar ou para se aguçar, e mole quando essa tendência é para arribar."
Álvaro Urbano admirava estas precisões - aquele marinheiro até sabia o que era a bissectriz!
-"Diz-se que o navio vai mareado: à bolina cerrada, à bolina folgada, a um largo, aberto, à popa e à popa arrasada ou popa rasa, conforme o ângulo formado pela direcção do vento e o rumo a que se navega."
Wirsung reflectiu que para quem o habita, o navio é um ser vivo, extensão dos seus próprio corpos, com as mesmas propriedades, fraquezas e virtudes.
-"À bolina cerrada, é quando o vento sopra da amura, o menos aberto da proa. À bolina folgada, é quando sopra da amura até pouco para vante do través. A um largo, quando sopra do través. Aberto, quando sopra das alhetas. À popa, quando sopra de entre as alhetas. À popa rasa ou arrasada, é quando sopra de popa exactamente na direcção da quilha. Também se chama de borboleta, a dois ventos ou de tesoura, por, de regra, o barco amurar uma vela em cada bordo."
Luís ouvia esta sabedoria com um misto de orgulho e fascinação, contente de trabalhar na lide do barco.
-"Os navios redondos resistem à rajada arribando e os latinos orçando, mas navegando à popa, os latinos devem arribar também, ou manter o rumo, dando salto à escota, porque orçando perdem seguimento e arriscam-se a virar."
Para Domingos, esta sageza era familiar. Crescera com o seu som nos ouvidos, nas margens do Tejo, junto ao estaleiro em que já com o pai trabalhava, e em que nas viagens inaugurais dos navios que lhes saíam das mãos, iam como se com seus filhos fossem. Como neste vai.
Henrique passara a falar das manobras, citando as mais vulgares, começando pela de envergar o pano:
-"Um latino enverga-se impunindo primeiro o punho de amura, em seguida o da escota, depois o da boca e por fim o da pena. Fazem-se depois as coseduras ao longo das vergas em voltas redondas ou falidas e içando depois a carangueja; a pouco e pouco vão-se fazendo os envergues dos arcos, de cima para baixo. As velas de estai envergam por mosquetões ou colchetes, no respectivo estai. Engatada a adriça no punho da pena e feito o punho da amura, vão-se içando e cosendo, da pena para a amura, os colchetes, ou engatando os mosquetões nos ilhoses do gurutil."
Luciana fixava a beleza plástica destas operações, disparando frequentemente a sua máquina fotográfica.
José Jorge Frade
Capítulo 11 de "Lúcido Mar"