Poemas -> Tristeza : 

Vida inacabada

 

Sou montanha inóspita agreste
Sou regato que resvala para o lago da utopia
Deixo para trás o deserto dos afectos
A atrocidade dos desapegos em cada dia

O ar irrespirável dos cumes mais altos
Os gelos aguçados despedaçando os corações
A brancura cega da neve nos meus olhos
Transformados em tresloucados furacões

Sou rosa vermelha de espinhos
Que sangra numa existência inacabada
Esquecida no muro das lamentações
E nunca verdadeiramente amada

Sou cacto isolado do deserto
Sobrevivente de torturas e pelejas
Acumulo denodo no meu seio feito dor
Para sobreviver sem água
Num calor de aridez abrasador

Sou vida estropiada e tosca
Mutilada e assolada em demoras que me consomem
Mãe a quem foi apartado um filho
Esposa a quem foi sonegado o homem!

Depois da queda no despenhadeiro
Sou pássaro solitário
Como águia ferida que reaprendeu a voar
Pois um abutre ignóbil corsário!
Qual ave louca destruiu o ninho ao passar!
 
Autor
AnaMariaOliveira
 
Texto
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Enviado por Tópico
Julio Saraiva
Publicado: 19/07/2008 13:25  Atualizado: 19/07/2008 13:26
Colaborador
Usuário desde: 13/10/2007
Localidade: São Paulo- Brasil
Mensagens: 4206
 Re: Vida inacabada p/Ana Maria
Que poema forte, corajoso e bonito. Tocou-me profundamente, acredite. Leio-o como o canto-desabafo de uma mulher que não tem medo de olhar o mundo com os olhos de quem vai à guerra. Há crueldade no poema? Há, há sim. Mas é a crueldade de quem sabe combater o sofrimento tendo as palavras como arma. Chamo à atenção em especial para os quatro penúltimos versos, que, sozinhos, já seriam um poema.

afeto,

júlio s.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 19/07/2008 13:28  Atualizado: 19/07/2008 13:28
 Re: Vida inacabada
Um (auto)retrato poético de grande formato, colorido e falado, com arte e talento. beijinho