Lovat-Erin passeava sem destino a sua figura de aventureiro pelas ruas tristes do bairro operário. Miúdos gritando em disputa de qualquer precária fantasia, por entre montes de lixo. Marginais combinando negócios e trabalhinhos, mulheres de rosto cansado. Acorrentados da solidão, lutadores de perdidas causas, reformados e doentes.
Lisboa ficou para trás, cidade das luzes coloridas, riso da noite até que dure, mas é aqui o ponto de partida dos sonhos, da aventura.
Sabia que não se prestava à luta colectiva, o seu campo era o dos sonhadores impacientes. Talvez ainda lhe batesse à porta dos sentidos a voz anarquista que em tempos o seduzira.
Agora, depois da desdita, desencantado e triste, soavam-lhe fracos os ideais de espinhosa concretização. Fora grande a desilusão, nada esperava da raça dominante.
Talvez devesse recomeçar aqui, neste meio operário e sujo, onde a mais bela flor nasce todos os dias. Por momentos sorriu com a ideia, mas mais uma vez o desânimo, sempre ele, lhe tolhia os membros, fazendo-o um boneco articulado, desprovido de agilidade.
Pensou irónicamente nos seus sonhos loucos de aventuras fabulosas, sabendo que nunca seria capaz de mexer um dedo para arriascar o que fosse.
Não o guardou porém esse comportamento de perder algumas coisas, levadas pela voragem da vida, sem que pronunciasse um não. A sua progressiva auto-desconfiança tinha-o transformado num taciturno, de lacónicas e titubeantes palavras e gestos, sem a cor e o brilho de antigamente.
Sentia que a atmosfera em que agora se movia era constituida por qualquer inerte gás, polvilhada de um qualquer pesado metal, em que respirar se tornava difícil, levando-o a tropeçar na espessura árdua do seu desalento, arrastando a fantasmagórica imagem do "cavaleiro da triste figura".
José Jorge Frade
(Capítulo 7 de Lúcido Mar)