À mínima distração do tratador
O pássaro deu de asas e se apartou da gaiola velha.
Pousou no galho mais alto da palmeira,
Lá onde a seiva alimenta a última célula.
Ficou imóvel por um tempo,
Sentindo o vento eriçar-lhe as penas claras;
Não se lembrava de ter tido essa sensação um dia.
Olhou a pradaria vasta e limpou o biquinho de lacre
Antes de alçar um vôo magnífico e tão esperado.
Enquanto voava lembrou-se das mãos do tratador
Colocando-lhe a fruta espetada
Numa das hastes da gaiola velha;
Teve saudade daquelas mãos,
Mas essa saudade era boa, uma lembrança tênue,
Quase imperceptível.
O que lhe enchia a alma de ave agora
Eram os matizes daquela tarde em que renascera,
O céu de um azul turquesa límpido,
Com nuvens salpicadas,
Como acontece sempre nos meses de abril.
Visitou as pedras do riacho cantante
E as flores que por ali beiravam,
Encheu o peito de ar fresquinho e cantou como nunca.
Os outros bichos que por ali passavam
Pararam por um momento para ouvir a melodia.
Vagou feliz pelos campos
E provou minhoca pela primeira vez
Num banquete solitário, contudo saboroso.
Rolou pela terra e comeu fruta madura.
Dormiu com outros pássaros na madrugada fria.
Assim foi por longos dias experimentando o novo,
As coisas que sonhava lá da sua gaiola velha.
Ah...a gaiola velha...
Teve vontade de ir vê-la.
Apontou o bico na direção do instinto e partiu.
Voou o mais rápido que pôde,
Atravessando os campos a sua frente,
Até que avistou ao longe o sítio antigo,
As criações que ele bem conhecia,
Os ruídos que eram-lhe peculiares.
Deu a volta na casa e pousou no muro da varanda;
Assustado olhou a gaiola velha pendurada.
Lá dentro um pássaro parecido com ele
Comia a frutinha pendurada na haste
E piava calmo enquanto comia.
Olhou pela fresta da porta da cozinha;
O tratador fazia sua sesta.
A cadela Jurema ressonava no capacho.
Ele pulou do muro para o telhado,
Olhou a sua volta... novamente para a gaiola velha...
E pela primeira vez experimentou melancolia
Na sua alma de pássaro.
Frederico Salvo.