O homem cala o grito nas lágrimas de fel
De dentes cerrados estiola no abandono de si
Rodopia na cornucópia da loucura, lúcido
Absurdamente sangrando lucidez por todos os poros
Dói-se na inabilidade nos amores em miragem
Espelha-se no verso imprestável, no poema impossível!
Olho o homem no muro das imprecações
Não tem lamentos nem preces a fazer
Debate-se e bate com a violência da razão
Quebra o crânio esmaga o coração
Tinge a terra com sangue e sal
Desnuda-se completamente às mortais cobardias
Chora o choro de todas ufanas vítimas
Afunda-se no vómito nauseabundo
Morre só sem dó nem piedade
Nega-se vibrantemente á compaixão comezinha
O homem fina-se de amor em sangue vivo
Escuto os seus últimos murmúrios
Oiço-os como confissão única, como mágoa exclusiva
O homem diz: se eu fosse poeta, se tivesse a sorte dos Deuses
E as benesses das musas, se eu fosse poeta…
Talvez pudesse ter semeado amor e coragem de amar
Talvez as flores e os frutos tivessem a cor e forma
Do desejo de quem me pudesse amar
Talvez eu fosse a convicção ardente
Talvez eu fosse a urgência do amor.
Choro o homem sangrando
Sangro-me no poeta incapaz e obscuro
Bebo o sal e o fel do homem solitariamente demente
Anoiteço em silêncios sepulcrais
Abraço-me no grito mudo do homem marginal
Quebro-me por inteiro contra o muro da indiferença
Ardo serenamente em fogo lento
Nego-me ao poema sem valor
Extingo-me sem a sorte do amar
Sangrando sempre amor e mais amor!
Dionísio Dinis