Move-se apressadamente
Corcovado!
Ombros descaídos pelo peso da idade
Vestimentas de outras épocas
Como se tivesse ficado retido
Aprisionado em décadas de vida
Cabelo ainda escuro, mas em desmazelo
Teimando em lhe tapar os olhos
Como se não precisasse de contemplar
O panorama agitado das águas em fúria
Os pés ligeiros sabem o trilho
De tantas vezes calcorreado em desespero e solidão
Vejo-o ao longe e identifico-o, mesmo ignorando o seu nome
Quedo, contemplando o azul das ondas
Mãos nos bolsos, calças escuras, camisa branca
Gravata verde desapertada, como se de um amuleto se tratasse
E a cor da esperança não o abandonasse
Bem vestido e no entanto tudo nele parece desalinhado, fora do tempo
Passa por mim e não me vê
O seu olhar fixa-se lá longe no horizonte
Pensará na estranheza da existência
Nos amores perdidos, nas angustias da alma
Não fala, não sorri!
É a apologia do estático, do indiferente
Mas dono do seu próprio mundo!
Como se representasse sempre o mesmo papel de perdido da vida
Mas sei que é filósofo, poeta, artista, louco!
E na sua alienação, cativa-me o olhar
Cruzamo-nos nos mesmos solos,
No mesmo quadro do império do mar!