O SAPO QUE SE RECUSOU A VIRAR PRÍNCIPE
Maria José Limeira
Era uma vez um sapo escorraçado, vagando pelo mundo, sem destino.
Até que, um dia, aportou numa casa, onde vivia uma mocinha de quinze anos, que se preparava para festa de debutantes, com direito a bolo confeitado, vestido novo, taça de champanhe, e tudo. Festa brega, no melhor clube da cidade.
Quando foi calçar os sapatos, a linda adolescente notou que havia um sapo-cururú embaixo da cama.
Não ligou muito para aquilo. Achou que, quando voltasse do clube, o feio bicho teria sumido.
Lá para meia-noite, ao retornar da festa, a doce ingênua menina, cansada, deitou-se em sua cama de virgem, adormeceu, e sonhou com seu Príncipe Encantado.
Ele chegou montado num cavalo branco. Apeou à porta da casa e arrebatou-a para o meio da floresta, onde fizeram amor. Tudo nos conformes, segundo as normas das estórias de Trancoso que povoavam seus sonhos de criança, naquela cidade, onde nada acontecia.
Na manhã seguinte, a bela adolescente acordou no meio de uma poça de sangue manchando sua calcinha, sua camisola de seda e os lençóis.
Não se impressionou. Sabia que aquilo era menstruação que chegava todo mês, na data certa, regular como relógio instalado em praça de Londres.
Mas, teve o cuidado de olhar embaixo da cama para ver se o sapo que a visitara, na noite passada, ainda estaria ali. Foi o lugar mais limpo.
Naquela noite, quando abriu o guarda-roupa para pegar os panos com os quais se cobriria, o sapo pulou de dentro e andou vagarosamente pelo quarto, indo se instalar embaixo da cama.
Não deu importância. Sapo-cururú não fazia mal a ninguém. Ao contrário. Comia as muriçocas soltas no ar.
A menina adormeceu tranqüila, naquela noite.
E, novamente, o Príncipe Encantado de seus sonhos carregou-a para a beira do riacho, onde fizeram amor, e depois tomaram banho de rio. Nus.
Na manhã seguinte, a mocinha notou que os lençóis estavam úmidos.
Mas, não deu importância, atribuindo aquilo ao fato do calor excessivo que sentira na noite anterior.
Devido ao gozo inusitado que o suposto Príncipe lhe proporcionava, toda noite, na floresta, à beira do rio, na terra nua, nas ruas asfaltadas, nos motéis de quinta categoria, nas salas do cinema, onde, no escurinho, se aproveitava dela, a doce adolescente mudou de comportamento.
De aluna aplicada, calma e estudiosa, tornou-se distraída na escola, avessa ao dia e amante da noite, afastou-se dos amigos, e só queria viver trancada no quarto, dormindo, onde se multiplicavam as visitas do Príncipe, cada vez mais ousado e deslumbrante.
Um dia, notou que estava meio arredondada. Engordara um pouco.
Não deu importância. Atribuía aquilo à falta de exercícios.
A menstruação regular sumira.
E isto, de fato, preocupava sua mãe, que a levou, debaixo de sete capas, ao ginecologista, numa cidade distante, quando ficou comprovado: estava grávida.
O pai quis expulsá-la de casa. A mãe protestou.
Naquela noite, quando veio para casa, à hora do jantar, o pai trouxe a tiracolo um senhor de meia-idade, com os cabelos embranquecendo, de olhos grandes, tristes e deslumbrados. Apresentou-o à família como amigo dileto e, a partir daquele instante, noivo da filha grávida. Fizera o favor, para tirar os familiares da vergonha em que “aquela desnaturada”os mergulhara.
A mocinha, que estava sentada à mesa, degustando uma sopa insossa e amarga, levantou os olhos e viu, espantada, que o noivo apresentado não era outro, senão o Príncipe Encantado que a procurava toda noite, em sonhos.
O casamento foi feito às pressas, com uma festa modesta, já que o dinheiro da família havia sido todo empregado, recentemente, na festa de quinze anos da mocinha. Mas, sempre apareceram uns ou mais convidados estranhos – penetras, como os chamamos – que não cansavam de admirar a barriga da menina, bem crescidinha, com o vestido de noiva repuxado...
Um mês depois, a pobre, desvalida e infeliz mocinha voltou para a casa dos pais, chorando. De mala e cuia.
Contou a mãe o que se passava:
-Mãe, aquele senhor, não é nada do que aparenta. Trancou-me dentro de casa, com ciúmes, e me proibiu de ser bonita. Quer que eu use roupas de velha, para esconder a diferença de idade entre nós. E nada de ato sexual, porque diz que não quer me ver viciada. Quando come, arrota à mesa, como um porco. Na hora de dormir, vira-se para o outro lado, e ronca, sem ouvir meus apelos para que me beije. Dá puns em horas erradas, na frente das visitas. Não há elogios, apenas reclamações. Quando fui protestar que, antes do casamento, ele se comportava como Príncipe Encantado, gritou: - Não vem com essa! Esse tempo já passou! Eu sou o Sapo! E cale a boca, cabrita atrevida!
(Do livro inédito “Contos cruéis”)