1
Lisboa, minha Lisboa;
De ti nasci para a vida.
Em ti vivi e vivo, constantemente,
Sonhos vários, de cores diversas;
Luzes na escuridão,
De uma noite tal, inequívoca,
Onde percorro ruas e becos
De fina e requintada loucura, e
Por momentos me perco na tua história.
Olho à volta o recorte dos telhados
E a longevidade de janelas, agora fechadas,
Perdidas no tempo e na identidade
De uma cidade de trato forte e consequente.
2
Do Castelo avisto o Tejo.
Em ondulações permanentes
Reflecte a luz de um sol, que
No dia seguinte será o mesmo sol, e
De noite, transmite a penumbra de uma
Semi-lua, rasgando o céu que me seduz.
Barcos cruzam entre si desenhos
De uma linearidade subtil, e
Onde, por breves instantes,
Uma gaivota mergulha na busca de sustento.
Como me cativa esta sequência de atitudes
Traduzida na melancolia dos mesmos passos, dia após dia,
E que agora contemplo, para entender.
3
Terra de romantismos e outros ismos;
Onde, de eléctrico, percorro os carris
De uma cultura a cada esquina,
Invadida pelo olhar do poeta adormecido,
Ao dedilhar o livro da introspecção.
Terra de Negreiros, de Pessoa, e minha também,
Por onde me perco a cada dia
Seduzido pela poesia que escuto aqui e ali, e
De onde bebo o dom de existir.
Lisboa que transmites sem sossego
Palpitar das palavras ícones
De uma geração literária influente
Nas minhas humildes preces a ti.
4
Do algeroz cai a água
Que um dia hei-de beber;
As varandas, com flores, dão cheiro
À cidade que fotografo.
Revelo o concreto da realidade abstracta, e
Aí me insiro, por paixão, por gosto próprio.
Lisboa não se dissocia de mim; eu dela nem pensar.
Conheço a todo o custo, os caminhos que
Compõem a tela citadina, e onde inconsciente,
Me perco de tantas vezes os percorrer.
Paro, por mero acaso, naquele beco recôndito;
Odor reconfortante identifica a sardinha que,
Vendida pela varina, assa no braseiro.
5
Ao oriente me chego.
Passeio por jardins onde me conformo, e
Calculo, por breves raciocínios,
O restritivo específico da tua espécie.
A tua existência, no tempo, efectiva,
Demonstra a evolução contínua
Da história que passa nas tuas ruas, e
Todos pisam sem importância.
Povo ignóbil, este, que saqueia o teu espaço
Acomodando a sua inteligência, e
Não evoluir a cultura e o fado, que
De ti faz parte,
E lhes transcende.
6
Transito para ocidente,
Onde aglutino a razão do meu ser, do meu existir,
Vislumbrando o ocaso do
Sol que amanhã continuará a ser o mesmo, e
Onde Lisboa ocupará o mesmo lugar.
Mude-se o fado ou não,
Os pregões continuarão; o ímpeto bairrista também.
Vou acreditar que a nós, alfacinhas, te confinas.
Sendo a todo o momento,
O Tejo que te refresca e
Te garante, com o passar contínuo do tempo,
A jovialidade com que encaras as gerações que
De ti usufruem e assimilam o teu crer.
25 de Janeiro de 2003
© Gonçalo Lobo Pinheiro