Crónicas : 

Choro manso

 
Sentada no banco, bandeando o corpo para esconder o rosto, a mulher banha-se em pranto. Choro manso quase sem soluços, raros que “alteiam” seus ombros em espasmos, dor grande, maior que seu peito. Derramada sobre o espaldar do banco de madeira escondendo a dor aos passantes, só percebo que chora, quando sua mão nervosa traz um lencinho, pequeno amassado e úmido da bolsa. Fecho o livro que lia absorto na praça, antes de vê-la, coloco no colo. A dor da mulher me alcança por dentro, como ela quase não a retenho, quero levantar para acudir, quem sabe uma palavra amiga...tão jovem... tão linda... me detenho. Vejo sua cabeça baixar, ao encontro do lencinho, enxugando os olhos e o nariz, nuca bem feita, cabelos presos, um soluço profundo alonga suas costas...nada ouço...vejo. Novamente suas mãos nervosas abrem a bolsa, vira-se mais, vejo o perfil, olhos inchados, nariz vermelho, olhar perdido...desta vez sua mão lhe traz um celular. Atende a chamada...soluça, agora forte...emoção incontida que perde a vergonha se expõe, fala agitada...com a outra mão procura o lenço, tapa a boca como reprimindo um grito...conversa emocionada ao celular. Aos poucos seu rosto se desarma da dor...sorriso tímido ainda molhado em pranto a ilumina. Não dura mais que 3 minutos a conversa salvadora. Guarda o celular, “apruma” os ombros, enxuga as lagrimas mais uma vez...traz agora na mão um porta pó onde descobre no espelho as marcas da dor agora desmontada, cobre-as com base, arruma os cabelos pinta a boca, esfrega os lábios carnudos onde pressinto sorrisos, beijos...e mais... confere novamente o rosto no espelho, levanta e parte linda, refeita. Fico observando sua retirada majestosa para a vida. Reabro meu livro..torcendo para meu celular tocar...
Carlos Said

 
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Carlos Said
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 17/06/2008 23:11  Atualizado: 17/06/2008 23:11
 Re: Choro manso
Um texto delicado. Parar e observar, deixar-se envolver pela emoção de um outro qualquer, desconhecido, quase já não cabe mais nesses dias de pressa. O texto é valioso porque relembra que ainda vale parar, observar e querer bem, sem pressa. Abraço.