15 de Maio de 2008, 17h34. Edifício do Ambiente, gabinete 24, Mina de Neves Corvo.
Já passou da hora de saída. Já não se ouvem passos no corredor nem o rádio do chefe na Antena 1. Quem manda aqui agora sou eu, e pus a Amália a tocar em alto, a cantar-me a minha Lisboa, e é a voz dela que se ouve neste corredor, com o ruído de fundo da chaminé de ventilação do outro lado da estrada. Afinal, estou numa zona industrial. Mas a Amália soa mais alto. Meu coração também. Abafa qualquer chaminé de ventilação. E qualquer jumbo de perfuração. Vai mais fundo mesmo sem precisar da ajuda de qualquer martelo hidráulico, daqueles que o nosso empreiteiro Atlas Copco se orgulha tanto de reparar. Fica mais vazio e escuro do que o maior dos desmontes - e pode encher-se de repente com algo mais sólido do que o enchimento em pasta. Não precisa de poço de extracção para subir alto. Nem de britagem para se partir em milhares de pedacinhos. Nem de filtração para recolher o que quer realmente. Flutua mais leve do que qualquer concentrado de cobre ou de zinco. E pesa por vezes mais do que os rejeitados das lavarias. Extrai de si a dor, a alegria, e transforma-as num concentrado de mim, expedido em vagões por esse mundo fora. Mas vende-se a quem se lhe der pouco, muito pouco. Talvez aqui tenha ainda muitas falhas - talvez lhe deva subir a cotação, mais do que a do concentrado de cobre ou zinco.
Amo-te e odeio-te, mina, dás-me e tiras-me, quero deixar de te ver por uns tempos para saber se te amo ou se te odeio. Se te amar, fico. Se te odiar, fico.
Shepherd Moon