Todas as lembranças enlutadas da neblina matinal,
no orvalho da vasta vegetação encobrindo parcialmente os túmulos gastos,
fecharam cuidadosamente os olhos do defunto
para que ele não desperte.
No coração estático que outrora estremecia o corpo magro,
em minhas costelas a mostra no tecido apertado,
ninguém têm conhecimento acerca disto,muitos duvidariam mas na verdade também estou morto
embora de olhos abertos eu caminhe e fale, ainda que muito pouco,
martirizado e sem descanso,sem sonhos e sem sono.
Em casa no retorno amargo a rotina
preferível que a emoção duvidosa do desconhecido,
apego-me ao hábitos numa covarde tentativa de ofuscar o medo
sem saber o que arrefece meu ânimo e faz com que deitado,
passe as horas do dia parcamente iluminado e chuvoso lamentando,
debatendo-me sistematicamente de encontro a parede, ao lado da cama repleta de sangue.
Rodeado de visôes absurdas em rituais estúpidos minha autonomia perde-se em detrimento destes delírios,
pensamentos invasivos despedaçando minha calma,
fraco e combalido ninguém ouvirá meu clamor por ajuda,
mesmo o descanso final do eterno esquecimento é sonho de ópio
para aquele condenado a vagar como exemplo de tristeza e descomunal desalento.
Vozes e vultos,cortes e dores,
tão distante está agora o retrato confortador
de minha bela amada,perdido, nas ruínas da sala
enterrado, como a felicidade de outrora,
decomposto,tomado por fungos e larvas,
apodreço,e ainda assim respiro e minha alma
resiste,ao longo de séculos numa existência tormentosa
colhendo pesares de incontáveis cadáveres.
Ossos pontudos despontam de minha face,
olhos frios no espelho sem brilho,
apenas dirijo me ao campanário e lá tombado
tento verter lágrimas que aliviem um pouco meu sofrimento.