Chegam os dois à praça. Faz frio. Mas há uma lua redonda no céu. Estão bêbados e em andrajos. Jogam folhas de jornal sobre o chão. A hora avança. Um cobertor encardido vai cobrir os dois. Moleques ainda jogam bola na rua. Um carro de polícia passa.
- Quero agora - ele diz, abaixando zíper da calça.
A mulher ergue a saia. Sorri um sorriso de poucos dentes.
- Vem - ela fala.
Ele coloca o cobertor por cima dos dois. Começam ali mesmo, em meio aos meninos que jogam bola. Ele arfa. Ela geme. A hora avança. Só o cobertor os protege nesta hora. Faz mais frio. Mas, no calor dos corpos, os dois não percebem. Além de tudo estão bêbados. A lua parece mais gorda no céu. Os meninos se recolhem. Os dois se agarram como bichos acuados. O homem despeja seu líquido na mulher.
- Acabou? - ela pergunta.
- Quero mais - ele diz, a voz pastosa, uma baba branca lhe escorre da boca, também sem dentes.
- Não - ela recusa.
- Vaca - ele diz, agarrando-lhe os cabelos.
Ela lhe dá as costas.
Ele mexe na sacola encardida, rasgada. Arranca de dentro uma faca. Um gemido alto corta a madrugada que se desenha num azul-escuro muito forte, quase negro. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco golpes. Outro gemido no ventre da noite encardida de sangue. Ela está morta. O homem se ergue. Deixa o corpo no chão da praça, enrolado no cobertor barato. A faca de lado. Acende um cigarro. E sai à procura do primeiro bar aberto.
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júlio, Estes Malditos Escritores, antologia de contos marginais, Codecri, 1989 (com vários autores)
Júlio Saraiva