Contos : 

DIA DOS NAMORADOS

 
Chegam os dois à praça. Faz frio. Mas há uma lua redonda no céu. Estão bêbados e em andrajos. Jogam folhas de jornal sobre o chão. A hora avança. Um cobertor encardido vai cobrir os dois. Moleques ainda jogam bola na rua. Um carro de polícia passa.

- Quero agora - ele diz, abaixando zíper da calça.

A mulher ergue a saia. Sorri um sorriso de poucos dentes.

- Vem - ela fala.

Ele coloca o cobertor por cima dos dois. Começam ali mesmo, em meio aos meninos que jogam bola. Ele arfa. Ela geme. A hora avança. Só o cobertor os protege nesta hora. Faz mais frio. Mas, no calor dos corpos, os dois não percebem. Além de tudo estão bêbados. A lua parece mais gorda no céu. Os meninos se recolhem. Os dois se agarram como bichos acuados. O homem despeja seu líquido na mulher.

- Acabou? - ela pergunta.

- Quero mais - ele diz, a voz pastosa, uma baba branca lhe escorre da boca, também sem dentes.

- Não - ela recusa.

- Vaca - ele diz, agarrando-lhe os cabelos.

Ela lhe dá as costas.

Ele mexe na sacola encardida, rasgada. Arranca de dentro uma faca. Um gemido alto corta a madrugada que se desenha num azul-escuro muito forte, quase negro. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco golpes. Outro gemido no ventre da noite encardida de sangue. Ela está morta. O homem se ergue. Deixa o corpo no chão da praça, enrolado no cobertor barato. A faca de lado. Acende um cigarro. E sai à procura do primeiro bar aberto.

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júlio, Estes Malditos Escritores, antologia de contos marginais, Codecri, 1989 (com vários autores)



Júlio Saraiva

 
Autor
Julio Saraiva
 
Texto
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1876
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Enviado por Tópico
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Publicado: 10/06/2008 16:38  Atualizado: 10/06/2008 21:07
 Re: DIA DOS NAMORADOS
Júlio! Estou boquiaberto cara! Vou te contar, meu escritório comercial era na Rua Uruguaiana, em frente às Casas Sloper, você deve conhecer o local que estou descrevendo. Na frente do prédio Sloper (a loja não existe mais) são de marquises fartas e pé direito muito alto com grandes colunas. Após o expediente comercial e os fechamentos das lojas, ali é transformado num mega dormitório de mendigos e desocupados até hoje, sem que as autoridades sociais e policiais tomem qualquer providência. porra! acredite amiguirmão! o teu poema é exatamente; com todos os pingos e is, a cena de amor, sexo e morte com faca inclusive, tudo muito rápido, eram mais ou menos 19 horas, e uma menina/mulher morta, e que infelizmente assisti da janela do meu escritório sem poder fazer nada. fui eu que chamei a polícia. Teu escrito data de 1989. Ainda eras da área policial?
beijão.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 10/06/2008 18:38  Atualizado: 10/06/2008 18:38
 Re: DIA DOS NAMORADOS
Olá Julio, estou aqui lendo seu conto marginal...

Ser fiel aos fatos, que nos deparamos nessa lama social em que vivemos, é realmente cruel para quem lê, mas alguém tem que colocar a mão na ferida e ficar diante da crua realidade. "Estes Malditos Escritores", que escrevem as crônicas e contos policiais todos os dias e convivem com isso, mostram a realidade crua, para levar a notícia com toda a marginalidade desse contexto. No meu ver, são corajosos...

Qto ao seu texto, e o teor que ele demonstra, fico aqui pensando....como a bebida traz a superfície o instinto animal, irracional, até mesmo insano da mente alcoolizada. É lamentável ver essa degradação humana, se é que é humana...Não posso deixar de notar, tbm, o teor machista do seu conto, quando um homem exige de uma mulher mais prazer, e se ela não der, ele a mata.

Bjo.