A televisão anunciou que ia começar mais um casting para esses programinhas em que, uns marmelos quaisquer, exibem minúsculos dotes de representação e que, sobretudo, ficam bem em qualquer cenário.
O realizador sabia bem o que pretendia dos dois mil candidatos em que apenas um e só um ficará com o lugar. O objectivo era gravar uma série de cowboys que a TVI encomendou, com o Alentejo a fazer pano de fundo às guerrilhas de ocupação do terreno. História esta em que o argumentista teve de fumar vinte e cinco charros em quatorze minutos para que a luz da ideia não lhe fugisse.
Após aprovada de como seria a história e o desenrolar dos acontecimentos afim de cativar uma plateia de eunucos, faltava mesmo era, nos tais dois mil pretendentes ao lugar de pistoleiro, alguém que soubesse atirar segundo as velhas tradições americanas: usar os tais ricochetes à rectaguarda, lançar a corda de cima do cavalo e, pás!, mesmo na cabeça do touro.
O casting começou às nove horas da manhã em ponto. A fila de foliões, por ter cerca de dois quilómetros e meio, foi necessária a intervenção da PSP no sentido de acalmar os ânimos dos candidatos, uma vez que eles, enquanto suportavam a longa espera, iam treinado uns tiros de chumbeiros e outras balas ilegais em candeeiros de rua e cãezinhos que por ali passavam sem coleira ao pescoço. Todos estavam animadinhos.
Os maus rapazes queriam mostrar os dotes de mira certeira e coragem às moçoilas que, pelo sim pelo não, pediam autógrafos perto das maminhas. Os rapazes foram passando pelo palco, mostrando dois minutos das suas capacidades. Ah, já me esquecia de um pormenor, rapazes com cabelo encaracolado ou que fizessem parte de alguma lista de junta de freguesia, eram automáticamente eliminados. Manias de um realizador!
A manhã correu sem algum tipo de previsão, o tal iluminado ainda não tinha chegado aos requisitos pretendidos. Há que ter calma, porque nestas coisas, a paciência manda mais do que qualquer orgulho.
Um rapazito que vinha a cuido de um director da estação televisiva, apesar de ter certa pinta, o seu manejamento com armas ficava muito aquém das expectativas, logo incubiram-lhe o papel de cavalo se acaso o verdadeiro cavalo se lesionasse nos ensaios. E, como já se sabe, os da seccção de maquilhagem querendo, até fazem milagres.
Isto a comparar com algumas vedetas da televisão.
No alvo redondo que eles tinham lá para o caso, o puto, fez o favor de destruir boa parte do cenário, acertando ainda com um balázio na orelha esquerda da mulher das limpezas, que coitada, se fizer queixa, corre o risco de passar a vida a limpar retretes públicas.
De resto, fora este e outros tantos mais imprevisto, a sessão do casting, desenrolou-se a um ritmo moderado, com poucas vítimas de quando alguém falha o alvo. Após boa refeição do núcleo duro dos cineastas, de umas pingas calóricas a tornarem-lhes as faces vermelhinhas, a parte da tarde, segundo os seus ânimos, irá ser decisiva para a captação do talentoso.
E não é que assim foi! Coisas do caneco!, o primeiro tipo que subiu ao palco para mostrar as suas habilidades com espingardas e armas genéricas, tais como fisgas e penicões, foi o eleito pela quadrilha de juris.
O gajo até cavalo traz! – Disse o realizador que de tão entusiasmado trincou os seus bigodes.
De facto o vencedor, além de classe, das borbulhas no rosto a realçar o seu aspecto de rufia, que bem que ele atirava e acertava em todas as balas no alvo, e nos mecos que arranjaram para o momento! Sem falar das cicatrizes nas costas das mãos como curriculo das suas bulhas e do seu casaco de cabedal a intimidar um olhar intrometido mais um lenço ao pescoço a demonstrar que: quem manda aqui sou eu!
Depois de setenciada a justiça sobre quem é que ia ficar com o papel principal, partiram logo para as gravações. E, rumaram ao Alentejo. O argumentista e o guionista, durante a viagem decidiram fumar mais umas brocas e, num solto de imaginação, decidiram mudar algumas cenas. Claro!, uma série sem sexo, não é série, é Noddy. O Jimini, que apesar de ter muita prática em zaragatas e na caça às rolas, neste campo de contra encenação de beijos e derivados, nunca havia treinado.
Aliás, a troco de uma conversa, descobriu-se que a vedeta em curso, está em estado de conservação virgem. O que foi um problema, dado que a rapariga que ia fazer a cena de amor com ele, tinha prática e mais que prática no assunto, já que fora refiscada da indústria porno.
O realizador chamou à parte o Jimini e explicou-lhe que isto do cinema e da televisão, tem os seus contras e, o que custa é a primeira vez. A vedeta pediu uns minutos para pensar. E assim foi feita a sua vontade. Depois de pensar e repensar de como eliminar a sua timidez em frente às câmeras, Jimini teve uma ideia.
Como era sabido a sua paixão pelos cavalos, por que não fazer uma entrada em cena em cima do cavalo?, entrar num bar, pedir dois copos de whisky, aparecer a moça a perguntar pelo seu nome, ele pisca-lhe um olho como convite e, neste preciso momento, um admirador enciumado da moça topa o esquema e ameaça-o com um murro pesado na mesa.
Aí, começam a brigar, o artista principal começa a partir mesas e cadeiras no lombo do adversário metediço, lança um beijo pelo ar à donzela e, num salto bem calculado, cai no dorso do seu cavalo branco que o leva numa cavalgada heróica, deixando para trás interrogações nas pessoas a perguntarem “quem é?”, “De onde veio?”. Ou seja, trocar a cena de sexo com a rapariga, por uma cena de pancadaria.
- Bestial! - Disse o realizador enquanto tosquiava os seus últimos pêlos do peito com uma navalha mal afiada. Aceitando a ideia de abrir a cena com porrada, e, partiram para a filmagem propriamente dita.
Quando prontos para o primeiro acto da cena, repararam que o cavalo se tinha lesionado durante a viagem, o que atrasou em parte o processo. Como o cavalo não dava indícios de recuperar, a única alternativa era mesmo chamar o cavalo suplente devidamente maquilhado e transformado para a situação( que era um enorme peluche com um badameco lá dentro). Depois de um curto ensaio, começaram a gravar a sério.
E, quando chega a parte em que o artista tem de saltar para cima do cavalo suplente, este, em jeito de desforrada, deu a correr com o Jimini aos ombros, levantando as patas da frente no ar que aquilo até parecia real. Só que, durante a cavalgada - deixarei as explicações para quem melhor sabe -, o cavalo apaixonou-se pelo actor principal e, no meio de tanta acrobacia e cowboiada, está-se mesmo a ver, o que era para ser para maiores de doze anos, acabou por ser para maiores de dezoito. O realizador ao contrário das bocas de activistas que surgiram no local, aceitou o protagonismo dos dois e, a partir daí, foi um mimo, a estrela Jimini entrou pelas lojas de video adentro, esgotando todas as salas de cinema do país com as suas perícias de pistoleiro e cenas envolventes com o seu cavalo pintado de branco.
À actriz secundária, olhe, coube-lhe o papel de babby siter, uma vez que o título da peça era: dois homens e um bebé. Agora que o Jimini está lá em cima, no topo da fama, com bons carros, bons jacuzis, aceita todos os papeis, excepto um ou dois que são: quando tem de passar por debaixo de escada, ou, quando em vez do cavalo para montar, lhe põem uma égua. É que ele diz que dá azar, e isso, ele não quer.