Carlos chegou a seu quarto cansado da viagem. A estrada estava péssima e ter que dormir em Belo Horizonte atrasou seus planos. Ele abriu a porta e viu a luz azul da tevê iluminando parte do quarto. Com passos lentos procurando o interruptor ele bate o pé em algo macio que rola. Ele dá outro chute para tentar adivinhar o que era, mas o objeto estava peludo e não rolou dessa vez, somente se arrastando pelo carpete. Ele finalmente encontra o interruptor e liga a luz. Como se seu coração parasse por um instante e voltasse a bombear gelo por suas veias, ele paralisou. O vermelho no carpete, os cabelos negros e o pescoço toscamente cortado revelaram-no uma cabeça. Como se assistindo a tevê, sentado em uma poltrona, o corpo. Ainda sentindo o frio por todo o corpo, ele se aproxima da face da cabeça. Até a cabeça de ele entender o que estava no chão, demorou alguns minutos. Como poderia sua própria face estar nela? Estaria morto? Sentia-se vivo, mas também nunca morrera. Agora mais intrigado que assustado, Carlos se senta na ponta da cama encarando o sangue no chão, o corpo e a cabeça.
Na televisão passava o jornal da noite noticiando mortes e acidentes, política e escândalos, astros e casamentos, guerra e fome e ainda aquela cabeça no chão. Decidido ligou para a polícia e informou o que aconteceu e o que encontrara. Depois de um bom tempo, o delegado chega ao local e se surpreende: “Era seu irmão?” Carlos pensa até na possibilidade, mas não tinha irmão. O delegado decide ficar ali esperando a perícia e manda Carlos ir para outro quarto do hotel, mas que não saísse dele. Obedece, mas antes passa no carro para pegar seu facão, estava com medo, seria somente uma premonição? Sim era, só podia ser, como mais haveria de encontrar sua própria cabeça?
Assustado e cansado, Carlos abre lentamente a porta do quarto novo. Quase como um déjà vu, ele vê o quarto iluminado parcialmente pela luz da tevê. Segura firme em seu facão como se ele lhe desse forças. Forçando a visão ele consegue ver a silhueta de alguém assistindo à tevê. Ele fala com uma voz alta àquele: “Quem é você?” E chorando o homem levanta as mãos, que brilhavam vermelhas na pouca luz da tevê, e responde: “Eu sou seu assassino.” Carlos grita que não ia morrer e corre com o facão em riste e com dois golpes violentos decepa a cabeça do assassino. Ofegante e olhando para o sangue em sua lâmina, ele sorri um sorriso insano: “Não morri, a premonição não se concretizou!”
Curioso de saber a face de seu algoz, se suja todo de sangue procurando a cabeça. Segura-a pelos cabelos e tenta usar a luz da tevê para ver, mas não consegue claramente. Anda até o interruptor e o liga. Tremendo sem parar deixa a cabeça cair no chão. Respirando tão rapidamente que mal enchia ou esvaziava os pulmões, ele encara a cabeça de seu algoz no chão. Ele não conseguia acreditar que era sua própria cabeça. Ele olha para as mãos cobertas de sangue e arregala os olhos: “Eu sou seu assassino.” repetia, “Eu sou meu assassino. Eu sou nosso assassino. Eu sou seu assassino.” e continuava sem parar. Correndo e chorando ele corre daquele quarto, joga o facão fora e corre para outro quarto. Lá se senta chorando e tremendo assustado: “Eu não vou me encontrar aqui, não, eu fui pro outro quarto. Isso! Nunca me encontrarei aqui, nunca viria para esse quarto.”
Então liga a televisão para tentar se acalmar. O brilho dela dava uma sensação de segurança ao quarto. Passava algum programa de comédia sem graça que ele assistia mesmo sem gostar. Era como se fosse obrigado. Ele parou de tremer, mas continuava chorando e se dizendo que nunca se encontraria. Ele, então, escuta a porta se abrindo. Entra um homem com um facão na mão: “Quem é você?” e ele responde chorando e levantando as mãos cheias de sangue: “Eu sou seu assassino.” Queria realmente dizer que o intruso que era o assassino dele, mas, se o intruso era ele mesmo, ele era o assassino do intruso. E, tentando decifrar isso, leva dois cortes no pescoço.
Carlos chegou a seu quarto cansado da viagem.
BOI
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