Nem sempre foi assim, as palavras não me eram fiéis como eu queria; jorravam, autônomas, como se urgente fosse e imprescindível, falarem por mim, antes que eu as percebesse. Eram livres de mim e em me usando, saciavam-se. Quantas vezes eu as quis calar, presas nas minhas mãos de onde sempre escapavam e para onde sempre voltavam, já ditas, triunfantes, gritando minha impotência! Quantas palavras me alvejaram enquanto eu escrevia! Quantas venceram-me! E eu, não passando de mera testemunha, jurava a verdade, nada mais que a verdade. Hoje, depois de castigos passados, depois de penas vividas, depois de cumpridas punições, escrevo somente o que quero: violento as palavras, as que cobiço, enquanto dormem; tomo-as à força do meu desejo, repetidas vezes. Assim, não há crime do qual me possam acusar agora senão o de ter tardado tanto a me deixar em paz.