chama-se Maria Fontainhas e não conhece outra faina senão a pesca, viu sair seis homens do seu ventre e desses seis só um já não é pescador porque lho levou o mar à cinco anos atrás, ainda assim é nas águas que Maria se conhece. o mar é o seu primeiro amor e foi no mar que pela primeira vez conheceu o seu corpo pelas mãos do seu Manel. Manel é pescador, sempre o foi,em criança ficava os dias inteiros em alto-mar com o seu pai que lhe ensinou todas as artimanhas dessa tão nobre arte que não faz doutores mas faz pescadores doutorados.
esta madrugada foi acordada pelos seus compadres, a aldeia andava em alvoroço, quando se levantou viu tochas acesas na praia, vestiu o roupão e saiu, a rua movimentada às tantas da madrugada fazia-lhe lembrar as festas em honra de São Frutuoso no entanto faltava-lhes cor, em princípios de Junho ainda a chuva fazia os chinelos de Maria escorregar na calçada. Manel seguia-a, nunca fora homem curioso, sempre era Maria que carregara às costas todas as responsabilidades, os seus cinco filhos seguiam ao lado dele, dois abrigavam-se no guarda-chuva do pai e os outros três caminhavam à chuva com os impremiáveis vestidos. eram cinco da manhã e ninguém sabia o que se passava, de cabeça baixa alguns choravam, outros olhavam o mar, uns cinco homens com um papel na mão liam em voz alta meia dúzia de palavras que entresteciam alguns e enraiveciam outros.
a gasolina tinha aumentado novamente e na manhã seguinte uma greve nacional abalaria o sector da pesca por todo o páis, todos concordaram em aderir à greve e Maria não foi excepção, primeiro gritara que não, não o iria fazer porque precisava de dinheiro mas a esperança dos outros fê-la concordar também, ao Manel nem se pedia opinião.
Maria Fontainhas já contava com quarenta anos de pesca e nunca tinha visto nada assim, nunca tinha parado um só dia que fosse, até aos dias santos ela ia ao mar apanhar marisco enquanto os seus homens iam à sardinha.
na manhã seguinte levantou-se como de costume às 6horas da manhã, às 6h30m toda a família bebia cevada e comia pão com manteiga, às 07h estavam todos sentados à porta de casa, daí por duas horas toda a aldeia se sentara nas esplanadas dos cafés em frente ao areal com os barcos parados e encalhados no cais. a pesca acabara por hoje, por amanhã e até quando o governo quisesse, os pescadores exigiam uma ajuda do governo nas despesas que tinham com combustíveis mas as notícias não lhes eram favoráveis.
No café do Albino os diários da manhã eram lidos e relidos, as manchetes baseavam-se nesta tal de greve que reunira todos os pescadores. Maria, Manel e os seus cinco filhos sentados à volta de uma mesa redonda olhavam o vazio que os incomodava, a pesca acabara, na televisão as emissões especiais relatavam a opinião de pescadores e a opinião de políticos que com a voz estável não escondiam a instabilidade que reinava nas suas cabeças. a voz de cavaco silva rompeu o borburinho, todos olhavam agora o homem que elegeram para presidente da república, quando ele falou a esperança aumentou: «Portugal está a ser sujeito a um choque petrolífero de grande dimensão e abrupto», nada disto era novidade e logo assobios se soltaram da boca de quem dava a vida para fazer chegar peixe fresco à mesa presidencial,devem ser dadas «respostas selectivas para tentar ajudar os grupos mais desfavorecidos que têm dificuldade em ajustar-se à nova situação», ninguém ali se queria ajustar ou habituar a esta nova situação, ninguém ali acreditava ser um grupo desfavorecido mas sim, todos queriam respostas o mais rápido possível.
. façam de conta que eu não estive cá .