e tudo já parece tão incrivelmente comum, a normalidade entrenha-se em nós como os anos na pele, tudo parece passar de forma tão natural que entendemos o tempo como um albergue nocturno. e é esta espera, este quase ser que, este estar entre e estar quase, é isto que nos faz viver e se não tivessemos esta forma tão unilateral de sermos morriamos. hoje passeavas triste pelas ruas que nos conheceram as mãos dadas e eu vi-te do outro lado da janela, a chuva molhava-te as pegadas e incomodava-te o jeito ligeiro de andar, os teus olhos perdidos no que havia sido nosso passeavam de mãos atadas às recordações duradouras e vitalícias que conscientemente tinhas. eu não te disse nada, a minha mão segurava ligeiramente a cortina e pela frincha eu ainda consegui ver-te chorar baixinho esperando que a tua dor não incomodasse a dor dos outros, daqueles que não passam. eu não quis estar longe mas quando o barco se afundou nadei rumo a outra praia, não tenho culpa da corrente me ter trazido para aqui, longe. os teus sapatos estavam gastos, lembro-me do dia em que os compraste, sacudiste a carteira, contaste as moedas e com um sorriso no rosto entraste, eu segui-te à distância de dois passos, detesto sapatarias, não experimentaste os sapatos assim como nunca experimentas nada na tua vida, ficam-te bem o raio dos sapatos, apesar de já gastos como o amor que ainda me tens. escondi-me entre a parede e as cortinas e chorei devagarinho, baixinho para te não incomodar as lágrimas, o amor é isso mesmo, chorei mais baixinho ainda até silenciar por completo toda a minha dor, sempre fui um silenciado. ao fundo do corredor o meu gato miava e tu? tu afastavas-te devagar, cruzaste a rua e olhaste para trás, viste-me e sorriste, o meu gato miava e eu como não sei miar não lhe respondia. silenciei-me.
. façam de conta que eu não estive cá .