NAUFRÁGIO DOS MEUS BARCOS DE OURO
Nos últimos tempos,
Enquanto durmo
Sob os fleumáticos embalos da brisa da noite,
Minha mente erige sobre o chão da dimensão dos sonhos
O contemplar de uma lata piscina:
Imersos nela repousam
Airosos barcos em distorção:
Airosos porque concitam os portais do estético sortilégio
A inebriar as vistas daqueles que os fitam,
Derramando sobre eles o dilúvio da paixão.
Sim, tais embarcações também me evocam e me eivam,
Me asfixiando em seu oceânico espiral de fascinação:
Por isso resolvo ir ao encontro
De seus corpos em inanimação.
No entanto, ao chegar lá,
Recebo um entorpecente golpe de revelação:
Deslindo que aqueles barcos de Hércules,
Que navegavam pelo mar da minha tenra juventude,
Tão auríferos que chegavam a emanar o brilho da perfeição,
São, na verdade, jangadas quebradiças
De ouropel, de latão!
Agora, para não ser lacrado no mausoléu da misantropia,
Sento sobre o assento do sábio divã da mundana bíblia:
Trilho as alamedas de Ulisses, Orlando, O Processo, As Meninas;
Dois Irmãos, O Jogador, Vidas Secas, Senhora, Brás Cubas, Rei Lear;
Bicicleta Azul, Zero, O Paciente Inglês, 1984, Clara dos Anjos
E O Caçador de Pipas!
Eles me confinam no mais doce exílio:
O arquipélago dos pensamentos e das letras.
Eles me vestem com a insólita indumentária estática
Do mórbido comedor de celulósicas tapeçarias cosmopolitas:
Fazendo-me um hábil trânsfuga de um dos exércitos
Da pátria fixa.
Ah, efemeramente, eles me resgatam das profundezas do mar:
Mar onde reina a opacidade da fotossíntese da arte de sonhar;
Mar onde olho imoto O BÚFULO DA NOITE galopar
Celeremente na tramontana de meu corpo para sua fome saciar;
Mar onde a refração dos MEUS BARCOS DE OURO
É, para os copiosos jardins de esperança que cultivo,
Meu perpétuo crepuscular ferino!
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA