Tá vendo lá moço, aquela pessoa vagando?
Sabes me dizer se é homem ou mulher, é andrógena, será?
Ou será que, não tem mais sexo, raça ou cor?...
Será que ficou esgotada, e rasgou a pele com as unhas?
Será que comeu, dormiu ou virou purpurina?
Olha lá, moço? Ela está olhando pro céu...
Será que perdeu algo lá?
Deverei chamá-la, ou deverei ignorá-la?
Será que é um mendigo, uma criança, um poeta, ou Nosso Senhor?
Moço estou intrigada, por que ela não sorri, não chora de dor?
Ah! Mas vejo os braços da pessoa, estão em forma de cruz, abertos e absortos no
ar...
Agora a mesma pessoa olha cabisbaixa, atônita, e flui uma lágrima do seu
olhar...
Ela está carente, deverei ir até lá?
As roupas são transparentes, desfocadas e leves como penas de ganso...
Ah! Esta alvura me intriga, se no meio do vazio do olhar e da roupa, vejo um
pequeno feixe de luz vermelha...
Será o coração dela nascendo, ou será escorrendo gotas sangüíneas?
Puxa, moço...a alma dela é de porcelana, e está quebrada...
Eu na infância, tinha uma boneca dessas, mas ela era frágil, intacta, e um dia a
quebrei...não quis que fosse assim, mas aconteceu...
Moço vou até lá dar ajuda à pessoa, já voltarei, me espere aqui...
Ei! Alma de porcelana, queres ajuda?
Ela me olhou com os olhos marejados, e me disse: -Estou aqui pra te ajudar, sou
aquela boneca que caiu dos teus braços um dia, e te segue por toda vida, sou tua
alma porcelana, sou tua fada madrinha...
(Ledalge,2006)
Na verdade, Alma de Porcelana surgiu dum sonho de menina, que após muitos anos tentei recriá-lo.
"Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende." (Guimarães Rosa)