Crónicas : 

Despedida...quase uma ode.

 
Partiu distante de mim, soube por terceiros. Mas creiam no dia e hora em que viajou do corpo para suas paragens da alma, uma dor funda, pungente, fina como uma lamina, apequenou meu peito, me apertou o coração. Senti por momentos, como se um pedaço de mim houvesse sido arrancado, a partir daquele momento um espaço vazio ocupou minha alma. O câncer lhe havia tomado um seio, depois outro, enfim corroera sua vida. A ultima imagem é de nosso ultimo encontro, extirpara um seio e me explicava num bar que costumávamos nos encontrar, porque não dissera, me deixara sem noticias tanto tempo, me amargurara em sua ausência, se desculpava com seus imensos, mansos e lindos olhos azuis, de coisas que sua simples presença já apagara. Mais tarde na penumbra, inusitada do quarto, que providenciara cerrando as cortinas, para que a cicatriz que ocupava onde outrora fora a curvatura perfeita do seu seio esquerdo cujo direito ainda recordava o par formado, não se apresentasse nú em sua fealdade.
Me dizia em lagrimas, enquanto eu abafava as minhas...-Tinha que ser você, o primeiro a possuir este corpo mutilado. Nos possuímos em suas lagrimas, até que seus soluços substituem-se em gemidos, gozaramos o amor que nos dávamos, substitui a lagrima por um sorriso que manso lhe “adelgava” os olhos de gata. Ao saber que partira e como partira, me desesperei – mais tarde a medida que fui reencontrando a mim mesmo, num mar de despojos que compunham minha solidão, não penetrava a realidade desta morte, nem assimilava a realidade do seu desaparecimento. Caminhava a insone e insano, pela cidade, visitava lugares que gostávamos, supunha assim talvez pudesse depará-la de um momento para outro, acenar-lhe com a mão pensando...-Não disse ?. Ela esta ai, viva como sempre foi e será ela é imortal. Ela foi morrendo aos poucos para mim, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia, eu acompanhava calado e lúcido, essa agonia que se estendeu ao longo dos anos. Morreu em mim de infindáveis mortes, ora na praia no pedaço de areia que estendia sua canga, ora através de caminhos por nós percorridos, ruas, vielas de nossa Sampa, ora no lugar que escolhia no cinema. Assim, tudo que a rodeara, que vivera com ela e dela, ou servira de testemunho á sua presença, fora perdendo o efeito, enrijecendo-se, incorporando-se ao resto anônimo e sem interesse das coisas. Este foi o modo como morreu, de sua longa morte, de sua morte maior que sua própria existência, que jamais enterrei, enterrei sua morte e tudo o que representava sua perda.
Carlos Said

 
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Carlos Said
 
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Enviado por Tópico
Maria Verde
Publicado: 23/05/2008 12:55  Atualizado: 23/05/2008 12:56
Colaborador
Usuário desde: 20/01/2008
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Mensagens: 3489
 Re: Despedida...quase uma ode.
Relato emocionante! ... "Morreu em mim de infindáveis mortes"... suavidade e emoção norteiam a descrição desse amor em todos os seus ângulos, inclusive e principalmente, o da dor!!

Parabéns poeta!

Maria Verde

Enviado por Tópico
Liliana Jardim
Publicado: 23/05/2008 13:25  Atualizado: 23/05/2008 13:25
Usuário desde: 08/10/2007
Localidade: Caniço-Madeira
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 Re: Despedida...quase uma ode.
É uma agonia sim ver alguém que amamos partir em sofrimento extremo, Carlos

"eu acompanhava calado e lúcido, essa agonia que se estendeu ao longo dos anos. Morreu em mim de infindáveis mortes..."

Mas somos todos mortais e ás vezes a vida é muito madrasta...e tem prazer em nos ver sofrer...

Beijinhos
Obrigado por partilhar esse pedaço da sua vida connosco

Tudo de bom para si

Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 23/05/2008 14:20  Atualizado: 23/05/2008 14:20
Usuário desde: 06/11/2007
Localidade:
Mensagens: 2123
 Re: Despedida...quase uma ode.
A morte não nos é nada até que nos morre alguém...

Producto de ficção ou pura realidade, os meus lamentos!

Não a enterres, vive o luto e luta!

Abraço.