Sabes, espero que um dia não haja noite.
Não venha o luar a projectar a minha sombra à luz deste candeeiro amarelo, eu muito esticada no chão cinzento como uma cuspidela puxada para escolher equipa, enquanto o fumo do cigarro amarga as horas de espera até ter que retocar o baton, sorrir e marcar o preço.
Esta parede que me ampara à escuta do silvo da bala está gasta. Está quente de nela me roçar, maltratá-la com o salto afiado do sapato, vingando-me finamente da cacimba que me faz tossir e do frio que tenho entre as pernas.
Lá vem ele. Dou-lhe o cardápio consoante os olhos dele se demoram por mim. Não quer, arranca e vai meter a primeira para outra viela esburacada.
Outro cigarro e uma pastilha elástica para enganar a fome de casa, da cama que é só minha, dos rangidos que gemem quando lhe ofereço o meu corpo calejado de outras camas, espancado de tanto deitar e erguer, moído de levantar deuses em homens.
O sino da igreja bate horas, poucas, muito para o que me falta. Ainda o cão há-de passar por mim, cheirar nas minha mãos a festa amiga, desconfiar na cauda baixa o mesmo medo que eu e afastar-se para um caixote de lixo como alimento dos meus sonhos.
Vou agora. Sem conversa. Levo-o atrás acompanhado da minha sombra.
Dispo a roupa, a cara, o miolo. Quando entrar em mim não vai encontrar nada, está tudo ali a monte, amarfanhado numa cadeira que serve de cabide. Ele deixa as meias num sinal de decência que o liga à terra e aqui, agora, é o inferno.
Baba-se, está faminto de mandar, comandar a ilusão que lá fora prostitui-se às regras. Sente vergonha de eu saber tudo dele, não me olha, quer apagar a luz.
Deixa...eu tenho medo do escuro.