Ele acorda às 6h.
Sempre às 6h.
Não por vontade, mas por um eco:
O som das engrenagens do mundo
Que exigem pontualidade na servidão.
Veste-se com as cores neutras da aceitação.
Cinza, preto, azul-marinho.
As cores do invisível respeitável.
A gravata é um nó no pescoço
Que ninguém vê como corda.
Ele caminha pelas calçadas
Como quem desliza por trilhos.
Já não sabe o que é caminhar por escolha.
Cumprimenta com um sorriso treinado,
Entona a voz com um otimismo morto.
Aprendeu que verdades demais assustam.
No trabalho,
Digita memórias que não são suas,
Ideias que cabem em planilhas,
E desejos que foram arquivados
Na gaveta de "impróprio".
O chefe o chama de “exemplo”.
Ele sente náusea, mas agradece.
Nos raros momentos de silêncio,
Ouve um murmúrio dentro do peito.
Algo antigo.
Algo feroz.
Mas logo vem a tela, a notificação,
O mantra do consumo
E o som some.
À noite, deita-se com o corpo exausto
E a alma adormecida.
Não sonha.
Os sonhos foram domados na infância,
Vacinados contra risco,
Inoculados com prudência.
Ninguém o prende,
Mas ele nunca foi livre.
E o mais trágico:
Acha que liberdade é isso mesmo.
(Continua...)
Poema: Odair José, Poeta Cacerense