"A autobiografia de um poeta são seus próprios poemas. O resto é suplementar."
Eugênio Evtuchenko, in Autobiografia Precoce
Nasci em São Paulo, na rua Frei Caneca, no dia 6 de agosto do Ano da Graça de 1956, quarta-feira, nove e quinze da manhã. São Paulo ainda era uma cidade respirável. As pessoas podiam sair na rua a qualquer hora, sem o risco de serem assaltadas ou atropeladas. Sou filho único de uma família de classe média, que empobreceu. Meu pai era engenheiro e professor de matemática, talvez venha daí a minha aversão por números. Minha mãe dedicou a vida ao serviço público, talvez venha daí a minha aversão por gravatas, gentilezas e bajulações. Por pouco não me tranquei num mosteiro beneditino. Felizmente conheci mulher a tempo e me salvei. Na escrita, nunca fui talento precoce. A preguiça sempre falou mais alto. Na verdade, eu queria mesmo ser jogador de futebol, mas faltou habilidade. Aos 17 anos, entrei para a militância política, no Partido Comunista Brasileiro.Era preciso gritar contra a ditadura que maculava de sangue o chão do meu país. Eu não entendia nada de política, como não entendo até hoje, mas sabia que era preciso gritar. E gritei. E fui preso algumas vezes. Aos 19 anos, por absoluta falta de opção, ingressei no jornalismo profissional. Passei por quase todas as redações de jornais e revistas. Escrevi um programa de TV. Cheguei a me prostituir em assessorias de imprensa de dois governos canalhas. Precisava sobreviver. Na poesia, acho que minha escola é a que vem logo depois da chamada Geração Marginal de 1970, formada por poetas como Ana Cristina Cesar - o grande amor da minha vida, que eu não conheci -, Wally Salomão, Torquato Neto e Isabel Câmara, além do curitibano Paulo Leminski - para mim uma espécie de eterno guru. Estes poetas todos, por trágica coincidência, morreram cedo. Só Bel Câmara durou um pouco mais. Detesto grupos literários e poetas declamadores. Poesia é para ser lida, de preferência a sós. Adoro bares de quinta categoria, onde posso falar de futebol, entre goles de bebidas ordinárias e porções de linguiças e torresmos, que castigam o fígado, mas fazem um bem danado à alma. Amo a poeta Adriane Bonillo, que ainda me segura na vida, com seu sorriso de menina levada. Sou um socialista que, de vez quando, acredita em Deus. Tenho profunda admiração pelos santos Francisco de Assis, o pai dos hippies, e Teresa de Ávila, mulher corajosa, um dos maiores nomes da Literatura Universal. Gosto muito do que escrevo, do contrário não seria idiota em publicar. A modéstia é a hipocrisia vestida de marinheiro. Trajo-me muito mal, geralmente de sandálias, camiseta e calça jeans, quase sempre rasgada. Dizem que sou irreverente. Não acho. Meu negócio mesmo é sair pela madrugada me procurando, sempre me procurando.E é aí que o perigo mora. De repente eu me encontro e acabo com tudo. Melhor deixar como está.
_____________
Júlio Saraiva