Outro dia, parei minha caminhada matinal
Para ver um gato se aproximar de um pássaro.
O gato além de colocar o mundo no mudo
Ainda se movia como se não existisse movimento.
E o pássaro parecia que estava em outro mundo.
Mas eu já tinha visto um pássaro brincar com a morte.
Em uma outra manhã eu vi um pássaro
Voar da grade de uma quadra de esporte
Para pousar em uma árvore.
Mas não foi um voo qualquer.
No chão, entre um ponto e outro,
Havia um gato.
Se o pássaro fosse um jato
(Daqueles que deixam uma linha no céu),
O voo não deixaria uma linha no ar,
Deixaria um arco.
Um arco sorrindo para o céu.
O pássaro que estava no alto,
passou a centímetros da boca do gato,
Parecia que iria beliscá-lo.
O pássaro saiu sorrindo
E o gato ficou digerindo a gozação.
Mas a ideia de uma brincadeira perigosa
Foi embora.
O pássaro estava com a cara no chão
Procurando comida.
O pássaro da quadra de esporte era senhor da situação.
Já o pássaro com a cara no chão
Não estava a par do alçapão.
Ele lutava pela comida.
Quem luta para não morrer de fome
Não pode enxergar bem o mundo ao seu redor.
A angústia tomou conta de mim.
O gato tinha uma casa, tinha o que comer
Não precisava pegar aquele pobre passarinho.
Mas aquele gato tinha o instinto dos donos,
Não precisava ter necessidade para devorar uma vida.
Decidi intervir.
Mal me movi, ouvi uma voz.
Olhei para trás,
Duas criaturas me chamaram.
Tinham feito uma aposta.
Eu não poderia intervir.
Os dois estavam ansiosos.
Um torcendo para o bicho pegar
E o outro querendo ganhar a aposta.
Tentei convencê-los a desistir dela.
Foi em vão.
Fui ao fundo dos olhos das criaturas
E não vi resquícios de compaixão.
Uma vida estava prestes a ser devorada.
O devorador e os apostadores estavam em fina sintonia.
Todos querendo ganhar.
A vida em jogo.
Eu por covardia ou prudência,
Limitei-me a dizer que ia torcer para o pássaro voar.
Um deles sorriu.
Mas mal acabei de falar,
O outro riu,
Riu melhor, gargalhou, ganhou a aposta.