Havia um resquício de vida noturna no seio daquela manhã. A sombra não despertara totalmente a copa das arvores, se bem que já flutuasse a claridade rósea da manhã nas poças deixadas pela chuva da noite. Felizes os periquitos atordoavam o silêncio do dia, com seus cantos agudos e o frêmito de suas asas. A pouca vegetação orvalhada da cidade, os cumes dos prédios, as ruas, tudo amanhecia. O dia a cada instante se fazia mais preciso, resvalando, espraiando no meu intimo. Havia uma diferença entre o meu sol e o que desvirginava as sombras da cidade. Procuro através da bruma, num enredado de lembranças, algo mais que esta luz baça não ilumina, só cria sombras. Persigo nesta pouca luz, traços do que fui, nada ouço, nada sinto, nada vejo. Meu coração já não é leve, nem a pureza poética de outrora, renova mais a musica desta manhã.Ja não leio mais as poesias que vinham do Minho.
Carrego uma culpa tão secreta e incomoda, que nem eu mesmo sei o que é. Isolado como uma ilha, completo e fechado em mim, interditado do convívio da cidade e das pessoas. Em torno a noite ruía com suas miríades de estrelas, apagando-se em...luz. Amanhece a cidade que nunca dorme, feliz e preguiçosa deste sábado estremunha num bocejo eu.. anoiteço em mim.
Carlos Said