Sereia, és um mito feito de veias de mar e ossos de espuma, onde cada escama brilha como uma estrela afogada. És o reflexo fugidio que habita o interstício entre o sonho e a matéria, entre aquilo que se pode tocar e aquilo que somente se pode contemplar. Os teus cânticos não são apenas melodias: são promessas e despedidas costuradas com o fio das marés.
Nadas entre os colossos oceânicos, teu corpo se enlaça nas sinfonias das baleias, cada nota uma gota ancestral de saudade. As águas são o teu abrigo e o teu cárcere, e em teus olhos há profundezas que os homens jamais sondarão. Tua existência é feita de paradoxos – viver em plenitude no mar é também viver em ausência para a terra. Por isso, teus beijos são lâminas de sal: acendem velas na sombra, mas também apagam o fogo de quem tenta aprisionar-te.
És tanto o desejo quanto o limite do desejo. És o apelo que chama aqueles que jamais poderão alcançar-te. E talvez seja exatamente aí, na impossibilidade de pertencer, que tua essência floresça. As tuas escolhas são ceias de mariscos sagrados, e em cada travessia deixas uma parte de ti submersa nas correntezas.
Mas, sereia, e se tu ousasses andar entre nós? Queimada pelas brasas de mãos humanas, que restaria de tua cor? A terra exige sacrifícios, e talvez o preço seja a morte de quem és. Assim, habitas eternamente o entrelugar dos encantos – onde ninguém chega completamente, mas onde todos te desejam como uma miragem que jamais se dissipa.
Por isso, és eterna, mesmo quando teus rastros se apagam no sal.
Sou um viajante do olhar, com histórias que se revelam entre lentes e versos. Imigrante em Portugal, trago comigo a saudade do que deixei e o encanto do que encontrei. Amo a poesia que pulsa nas entrelinhas, a música que ecoa nas sombras e a fotografia...