Poemas : 

Tango Argentino

 

Silêncio.
É manhã.
O dia acordou.

Abrem-se persianas e janelas.
Abrem-se os olhos.
Para ver o dia.
Mas cegos, ouvimos
o silêncio das nossas pálpebras,
o ritmo da manhã sentida,
a luz que nos alumia.

Sou porta, não sou janela.
Saio e entro de pé.
Saio e entro pelo mesmo sítio.
Saio e não entro mais.
De pé.

Silêncio.
A tarde passou.
É noite do dia calado,
emudecido.
Cego.

Beber xarope de ópio.
Fumar não custa.
Tocar e contar barbitúricos.
Morrer atropelada por quem os transporta.
Apanhar os barbitúricos derramados
e
apanhar a morte.

Quem é?

Cega, agora surda.
Porta, não janela.
Abriu para dentro.
Fechou para fora.
E nunca como agora
se viu tanto vazio,
tão pouco,
espalhado num chão de gravilha,
ouro e latão em mistura,
numa matilha,
sem candura,
só loucura.

Silêncio.
É fim.
O dia acabou.

De pé,
numa porta,
é onde estou.








I got that feeling
That bad feeling that you don't know
(Massive Attack)

 
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Beatrix
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Enviado por Tópico
gillesdeferre
Publicado: 29/01/2025 20:00  Atualizado: 29/01/2025 20:00
Da casa!
Usuário desde: 14/06/2024
Localidade:
Mensagens: 322
 Re: Tango Argentino
Olá, Beatrix

"É noite do dia calado,/emudecido./Cego."

Poema feito de silêncio e espera.
Tão bom!

Tudo de bom
Gillesdeferre


Enviado por Tópico
Paulo-Galvão
Publicado: 29/01/2025 21:32  Atualizado: 29/01/2025 21:32
Usuário desde: 12/12/2011
Localidade: Lagos
Mensagens: 1496
 Re: Tango Argentino
Olá Beatrix,

Este poema prende por desenvolver em crescendo o que não tem desenvolvimento, uma ânsia crescida na apatia dos dias uma ânsia que só tem um descanso, também ele feito de rotina, na sedação.
Parabéns pela escrita.

Abraço
Paulo