Há um gosto de ferrugem no ar, como se as palavras mastigassem os dias e cuspíssemos só sombras. Caminhamos por ruas sem nome, entre destroços de crenças extintas, e os prédios erguem-se como guardiões cansados, murmurando segredos que ninguém quer ouvir. As janelas são olhos cegos, e nós, peregrinos do esquecimento, seguimos perguntando ao vazio o que perdemos no caminho.
Os becos respiram fundo. Eles têm cheiro de tempo parado, de papel queimado e de orações que nunca chegaram ao altar. Quem persegue quem, afinal? Os ratos, furtivos e precisos, ou os detetives, que tropeçam em seus próprios mistérios? Na dança das sombras, não há ritmo nem sincronia, apenas passos arrastados de quem não sabe para onde ir.
Dizem que Deus ainda mora aqui, mas é um inquilino relutante, e seus pés, outrora firmes, hoje hesitam sobre as cinzas. Talvez ele tenha esquecido como dançar. Talvez, como nós, ele também esteja perdido, sem mapas, sem bússola, sem estrelas para guiá-lo.
E nós? Somos vultos que gritam em línguas mortas, esperando que alguém nos ouça. Mas o silêncio é uma pele que se cola ao corpo, pesada e sufocante. As perguntas são pedras no sapato; insistem, incomodam, mas nunca nos levam a respostas. O caminho, se é que há, é um fio desfiado, que se rompe antes de virar ponte.
Há uma violência sutil em estar perdido, como um vento gelado que rasga sem cortar. As palavras morrem na boca, como pássaros que não conseguem alçar voo. Resta-nos o eco: longos monólogos, sem aplausos nem plateia. Seguimos, tropeçando nos destroços, compondo mapas feitos de abismos e imaginando que, em algum lugar, talvez exista um horizonte onde o caos vire silêncio.
Mas e se esse horizonte não for um lugar? Talvez sejamos nós, estradas vivas, feitas de passos hesitantes. Caminhamos para frente, não por esperança, mas porque o movimento é a única coisa que nos resta. A verdade, se existe, não mora aqui. Ela é apenas o tremor leve de um chão que nunca será nosso.
Sou um viajante do olhar, com histórias que se revelam entre lentes e versos. Imigrante em Portugal, trago comigo a saudade do que deixei e o encanto do que encontrei. Amo a poesia que pulsa nas entrelinhas, a música que ecoa nas sombras e a fotografia...