Há dez anos a sorte, no tear do tempo, venceu a morte
Para calar-me o lamento em meu mais solitário momento
N’um vale silencioso onde se quedam mudas as palavras
Onde o canto dos mortos convida, a invadir os ouvidos
O que teria me salvo da sanha dos vermes, longe do céu
Do salmo augurado pelo profeta da vinda de dias vazios
Enredando rezas de música tinta de ufania e desespero
Onde revi todos temores escondidos detrás das portas
Com os braços prostrados ao longo de meu corpo, ouvi
Os sentidos navegarem à deriva, revolvem sem controle
Sem contar com a farsante da esperança, entreguei-me
A imaginar o que iriam me escrever ao rodapé da tumba
Mas ela surgiu, num lampejo com seus olhos cristalinos
Silente de pecados, para interromper a minha despedida
Tomou meu coração nas mãos e fez escondê-lo do anjo
Como jamais poderei me olvidar essa cena mais sublime
Fecundando meu delírio, deu a luz a meu maior poema
E no que seria o último cortejo, uma via de tormentos
Fez do barro, desprendido da terra, tornar-me humano
Não o demônio recriado, mas um mestre exilado do céu
Deu-me nestes traços, versos com olhos de crepúsculo
Um novo ar, uma mente penetrante que ousa escrever
Deu-me dilúvios de lágrimas, dores incontáveis e visões
E mesmo continuando mortal, a cada fim um recomeço