Naquela tarde de calor e de uma humidade ridícula, joguei o meu próprio “próximo de se tornar cadáver” para uma piscina. O choque térmico entre a minha pele já encharcada de suor ao sentir o toque da água plana e clorada leu-me a sina, gotas de morfina pareciam atravessar, salpicar e formigar a minha barreira sanguínea. É de realçar que já havia tomado algumas bebidas previamente. O verão acabava no calendário e começava ferozmente na minha alma. Os amores de verão que não tive, os néons que não me cegaram em festivais, todas esses arrependimentos supérfluos e os menos frívolos esvaneceram entre a água e o corpo. Passagens literárias de autores irreverentes e alguns até sujos inundaram-me assim como a água me deixou. Inundado! Apenas com as minhas vias respiratórias fora de água, emulei a vida: fiz a posição do “morto” naquelas águas sem marés, mas repletas de resvés naquela tarde escassa em histórias. Esqueci os estranhos que haviam à minha volta (não era privado aquele poço azulado), ou talvez os estranhos fingiram que não viam toda’quela situação para não se sentirem envergonhados com a minha auto-veneração. Pensei nos marginalizados e o quão românticos eram eles, e patéticos os integrados neste mundo visivelmente degradado…
Será que existe bom e mau burlesco? Pensei eu. Talvez exista o bizarro e um outro um pouco mais erótico. No entanto, o segundo adjetivo por vezes é interligado ao primeiro pelos mais perversos e escondidos melancólicos. E o primeiro desconectado do segundo pelos púdicos visivelmente mentirosos. Boémio solitário, fumador ávido, complexado e por vezes narcisista convulso, continuo a autointitular-me de “novo”, a minha mente reivindica, o meu corpo desconfia de tal ego, o espelho mostra-me contradições, ah que punições sofro no meio deste opiáceo artificial que me corre neste corpo que tento não enrugar com pensamentos de verões desperdiçados e invernos esperançosos!
- D.N.N
(de Portugal)
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