Prosas Poéticas : 

O que escondes, Bretonino?

 
Havia um tempo em que frequentávamos um templo escondido por entre muralhas de pensamento.
Não havia caminho direto até ele, apenas fendas e labirintos. Chegar ali era um ato de desprendimento — não das coisas físicas, mas dos fios que sustentavam a razão. Era preciso deixar a lógica pendurada do lado de fora, como casacos em um dia de sol que insiste em ser frio.
Por entre as fendas, observávamos um poeta. Ele pendurava solidões em cabides invisíveis, como quem decora a própria alma para receber um hóspede que nunca chega. Os cabides balouçavam ao vento que não existia, e os pássaros mediterrânicos pousavam para assistir. Eles não cantavam. Apenas estavam ali, como funcionários sofridos, marcando presença sem alarde.
Em uma das mãos do poeta, havia uma laranja, melancolicamente pálida. Não era fruta, nem cor. Era um sol aposentado, um círculo de abandono exposto como se fosse apenas mais um objeto em vitrines baratas. O poeta olhava para ela com uma insistência que beirava a devoção. Talvez visse nela algo que ninguém mais poderia enxergar: o tempo que não volta, a doçura que se perde, ou apenas a cor que não combina com as sombras ao redor.
Entretanto — e há sempre um "entretanto" nesses lugares —, o poeta não era apenas um criador. Ele também era um destruidor, ainda que sem intenção. Aquilo que devia ser sombra e consolo tornava-se omissão, pilhas de cartas não enviadas que jaziam ao lado de recibos de pão amassados. Quando surtava, não sabíamos se falava com a morte ou com a própria esperança.
Deus, ou o que quer que fosse aquele vazio que tudo preenchia, parecia exausto. Passava os dedos pelos cabelos inexistentes, suspirando como quem recebe mais um pedido de algo impossível. “Outro poema?”, perguntava-se. Mas o poeta não o ouvia. Estava ocupado matando pássaros poéticos, um a um. Sem crueldade, claro, porque a crueldade tinha o gosto amargo de café requentado, e aquilo que fazia era além do bem e do mal. Era simplesmente inevitável.
“Estou sentindo dor”, dizia o poema, mas o poema estava de luto, ou talvez cansado demais para ser poema. Enquanto isso, árvores, disfarçadas de absolutas verdades, praticavam ioga em posições tortas. A morte, elegante como quem atravessa ruas sem olhar para os lados, passava por tudo isso sem se importar. Porque ela também passa, como tudo passa.
O poeta passava. A laranja passava. Os pássaros, que juravam nunca mais voltar, passavam. E o amor? O amor ficava como aquele pão que compramos sabendo que vai endurecer. Sabendo que não dura, mas ainda assim escolhemos levar para casa. Porque o que não passa, no fim, é essa mania absurda de acreditar.
E, enquanto permanecíamos do lado de fora, olhando por entre as fechaduras do templo, entendíamos pouco e sentíamos muito. Camada a camada, desprendíamos nossos próprios pensamentos enquanto o poeta continuava a criar um varal de poesias. Era como se, ao espiar, nos tornássemos parte daquilo que não compreendíamos. Porque o templo não era um lugar para entender. Era um lugar para ser. Para passar. E, talvez, para ficar por um breve período.


Bem-vindos ao meu refúgio, onde desvendo os mistérios da mente humana através da neurociência e da arte da palavra. Sou uma simples pessoa que, nas horas vagas, se torna escritora, explorando o mundo através da observação. Amante das artes e da diversi...

 
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paollalopez
 
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