Enquanto ele crescia, vi-o engolir passarinhos. Era como se cada palavra que queria dizer, cada verso que queria deixar escapar, fosse engolido à força, em soluços secos. O pai, duro como uma pedra de moinho, esmagava o som antes mesmo de ganhar forma, enquanto o rapaz mastigava o silêncio, deixando que os pássaros se debatessem dentro do peito. Eu observava, sim, porque há coisas que se vêem mesmo sem querer. E via-o cabisbaixo, os olhos fugindo das janelas, como quem procura não perturbar o mundo. Era curioso. Não pela dureza do pai, que é daqueles que se aprende nas esquinas da vida – como bater na mesa para afirmar autoridade – mas pelo modo como o rapaz parecia crescer para dentro, em espirais. Enquanto outros crescem para fora, ele enredava-se em si mesmo, numa espécie de arquitetura feita de poesia não dita. Quando caiu na rua, eu estava lá. A princípio, pensei que era só mais uma daquelas quedas da vida. Mas não. Vi o pai correr, desajeitado, como quem tropeça em si mesmo. Pegou o filho nos braços e ali, enquanto o cheirava, era como se estivesse a farejar um abismo. Não era só o cheiro do medo. Era o cheiro de tudo o que ele não disse, tudo o que reprimiu. Cheirava à ausência, àquela perda que chega antes da partida. E então aconteceu. Pássaros. Sim, pássaros. Saíram da ferida como quem não aguenta mais a clausura. Não era só sangue que escorria. Era a própria essência do rapaz a libertar-se, indo ter com o pai, pousando ali, ao redor, como que para dizer: "Olha, aqui estou eu. Sempre estive." E o pai chorou. Pela primeira vez, chorou. As lágrimas, tão guardadas quanto os pássaros, agora eram rios. Eu vi. Vi os pássaros descerem, pequenos e ágeis, beberem dos olhos do pai, saciando a sede daquilo que nunca foi dito entre os dois. Fiquei ali, a olhar. Talvez ninguém mais entendesse, mas eu sabia. Sabia que nem todos os pássaros voam ao mesmo tempo e que alguns só escapam quando o mundo nos obriga a cair. E talvez – só talvez – aquele pai tenha aprendido a ser um pouco menos pedra e um pouco mais asa.
Bem-vindos ao meu refúgio, onde desvendo os mistérios da mente humana através da neurociência e da arte da palavra. Sou uma simples pessoa que, nas horas vagas, se torna escritora, explorando o mundo através da observação. Amante das artes e da diversi...