O beco, o casebre
Quem se importou
Com sua dor, sua febre?
Desgraça, o pai infartou...
Sempre foi assim
Desde que nasci
A mãe já alertava
Em silêncio chorava
Água na bica faltava
Na mesa, faltava o pão
Cheio, só o pulmão
Do ar que respirava
Doía a barriga...
A fome castiga!
O lixo revirado
Um pão mofado
Lágrimas de desgosto
Escorrem do meu rosto
Tentava ver o futuro
Por um furo no muro
Feito por uma bala não doce
Ah, como eu queria que fosse!
Mas é feita de metal
E amargamente letal
Então fiz o meu corre
Nesse beco fedido
Onde “os menor” morre
Como escudo, ferido
Respirando ar de guerra
Ódio, o coração dilacera
Quando a vida – ela ferra
O beijo da morte acelera
Atenção:
Mais um corpo no chão!
Partiu cedo outro menino
Sem paz no seu destino
Destino...
De quem não viveu?
Dum simples menino
Que sofreu e morreu?
A vida não é justa
Mas quem teme a morte
Um dia se frustra
Voe, menino sem sorte
Nesse mundo do cão
Que se retroalimenta
Dos sonhos e ilusão
Dum ’alma que aguenta
Aguenta o açoite da mazela
A sobrevivência na favela
Na tentativa de felicidade
Privaram-me da liberdade!
Espaço limitado
Cor de cimento
Choro calado
Só há sofrimento
Há barulho interior
Pior que da tranca
Sinto-me inferior
Sem a sorte branca
Vim duma viela qualquer...
Azarado com malmequer!
Encontro-me distante
De mim e do instante
Dum tempo não vivido
Sem voz, só, esquecido
Minh’alma apagou
Angústia me restou
Do azar dum esquema
Corpo preso no sistema
Como mudar o que se é
Sem olhares julgadores?
Como manter-se de pé
Num covil de opositores?
Todo tempo gasto pra refletir
Tormento da mente ao sentir
Cada quadro da minha vida
Quando penso e revisito
Aquela criança sem guarida
Num barraco de conflito
Tantos erros e atos
Os berros, os fatos
Ausência de amor
Meus gritos de dor
Só medo e rancor
Descontentamento
Tornei-me menino levado
Xingado, amaldiçoado
Puro ressentimento
Queria ter visão de futuro
Mas ao olhar, ponte não há
Só vejo muro, muro, muro
Dão-me um título de burro
E mais murro, murro, murro
Cansado e perdido
Suplico: - Ó, Deus!
Atenda meu pedido
Quero aprender a ler
E não ser apreendido
Estou farto de sofrer
E não ser compreendido
Além da tempestade
A crença pela metade
Pra superar tamanho estrago
Com gota d’esperança, eu vago.
Fabiano Ribeiro.