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De onde vem

 
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Um espanto me deixou sem sair do canto
Correndo a vista nos cavalos do seu Franco.
Nesse olhar, percebi o abismo que há
Entre o cavalo de carga e o cavalo de passear.
Pra começar, o cavalo de passeio jamais deve trabalhar,
E o cavalo de carga jamais deve passear.
Pro cavalo de passeio não falta ração,
Não falta vacina, não falta água, não falta nada não.
Já o cavalo de carga, seu Franco só falta matá-lo
De sede, de fome, de trabalhar para sustentá-lo.

O cavalo de passeio vive protegido
Da chuva, da poeira, do sereno…
O cavalo de carga sobrevive dolorido,
Explorado, abandonado, gemendo.
O cavalo de passeio não pode ficar feio,
Seu cocho sempre, sempre, está cheio.
Já o cavalo de carga nem cocho tem,
Mata a fome na estrada transportando feito um trem.

O cavalo de carga não tem vida,
É um meio para o seu Franco construir a avenida.
Depois do dia todo na estrada,
Seu Franco solta o cavalo, dá-lhe uma lapada,
Se aproxima do cavalo de passear
E faz um afago para o bicho relaxar.

No dia a dia a carregar
O que o seu Franco quiser transportar,
O cavalo de carga vive a suportar
Mais do que o lombo pode levar.
Quando o cavalo se entorta sem aguentar,
Seu Franco usa um relho pra argumentar.
Enquanto seu Franco lapeia
Diz que o cavalo não aprende,
Então a chibata será sua ceia
Para que ele se emende.

Seu Franco lapeia, lapeia, lapeia,
Lapeia que o calombo encandeia.
Mesmo trabalhando o dia todo, todo dia,
Sendo os pés e as mãos de seu Franco e família,
Diz seu Franco que o cavalo é preguiçoso
E o trato com ele não pode ser amistoso.

Agora, o cavalo de passeio ele diz que é de vergonha,
Vistoso, forte, corajoso, do jeito que ele sonha.
– O cavalo de passeio não precisa levar lapada.
– Mas o cavalo de passeio não faz nada!
É um parasita voando na varanda.
É qualquer coisa que não anda.
E quando anda seu Franco só falta inverter os papéis:
Ao invés de ser os dedos seu Franco ser os anéis.

Observando a diferença entre o cavalo de carga e o de passear
Eu entendi o modo de um camponês mandar o filho estudar:
– Quem não dá pra sela, dá pra cangalha.
A sela é do cavalo de passeio que se espalha.
A cangalha é no cavalo de carga, açoitado,
Que existe para ser explorado.


De onde vem a diferença entre um e outro cavalo?
Matutei, matutei… em um instante tive um estalo:
O cavalo de passeio veio em um navio de passageiro.
O cavalo de carga veio em um navio cargueiro.
O de passeio veio livre, leve e solto.
O de carga carregado, todo torto.
O de passeio recebeu asas para voar.
O de carga foi acorrentado, obrigado a sofrer sem reclamar.
O de passeio era dono do seu nariz.
O de carga tinha a marca do dono como cicatriz.
Uma cicatriz que muito diz
Sobre o quadro negro sem giz
E um cenário sujo coberto de verniz.

 
Autor
magnoerreiraal
 
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