Se não sabe, escrevo para o meu vizinho. Mas só escrevo quando me empolgo, ou quando o frio, como o de hoje, me convida a refletir. Meu vizinho é uma vitrine, uma grama artificial, um espetáculo de fogos artificiais vindos diretamente da China. Veja bem, outro dia percebi que ele possui uma vasta coleção de bonecas, um colecionador, ao que parece. Alguns dizem que é uma mania hereditária, algo para o qual não sei ao certo dar nome. O que realmente importa é que as mãos das bonecas do meu vizinho são apenas isso: mãos de bonecas.
A princípio, pensei que meu vizinho buscasse aceitação para ser quem é, talvez precisasse de permissão para ser gay. Com o tempo, entendi que se tratava, na verdade, de uma questão de gosto, uma indefinição que não cabe em julgamentos simplistas. Senti compaixão... Meu vizinho carece de afagos, pobre coitado. Nos seus lençóis não se encontra a benevolência, e isso me entristece. Mas, quem sabe, estou errada. Talvez meu vizinho possua uma sirene caleidoscópica de alta definição, algo capaz de iluminar o caminho até o farol dos Açores.
Certa vez, ele tentou conquistar algumas raparigas, valendo-se de truques de Photoshop. Na ocasião, faltavam-lhe cestas básicas, a conta de luz quase a ser cortada, e ele fez até beicinho, suplicando às raparigas, aos bancos, aos agiotas..., mas em vão. Nem sacerdote algum pôde mudar a sua sorte. Meu vizinho sempre brinca de ser manhoso, joga com o fogo, mas nada lhe acontece. Contudo, quem nunca se queimou sabe muito pouco sobre a vida, não é verdade?
Sem tempo para ver o tempo passar, ele cria alfabetos de sal, de cá para lá, acolá. Sim, meu vizinho é um sobrenaturalista, sofre de uma trágica utopia. Dizem que já aparou um raio com os dentes; eu mesma vi, quando ele foi convidado a participar das políticas públicas. Com um estalo, aparou o raio, chamuscou apenas os cabelos, mas salvou quatro vidas, todas bonecas. As velhotas em volta, essas não tiveram a mesma sorte. Meu vizinho, no fundo, tem vocação para super-herói.
Outro dia, ao passar por ele, cumprimentei:
— Bom dia, vizinho!
— Bons dias, vizinha — respondeu.
— Como estás?
— Estou com o umbigo a doer, a correr para o nada. Preciso colocar o Coiso na Coisa, acender umas velas, queimar uns incensos, bater um tambor, rodar sete vezes no mesmo lugar, tocar em algo que brilha, inventar um contexto rebelde, falar sozinho, sacar o relógio d'água, brigar comigo mesmo, dar de beber aos meus 'mins'.
E ele não parava de falar, até dobrar a esquina. E eu só lhe tinha dado bom dia.
Bem-vindos ao meu refúgio, onde desvendo os mistérios da mente humana através da neurociência e da arte da palavra. Sou uma simples pessoa que, nas horas vagas, se torna escritora, explorando o mundo através da observação. Amante das artes e da diversi...