Olhai, ó nobres plebeus, um tal que acolá se vê
Será d'El-Rei a velha turva silhueta no nevoeiro?
Ou do vilão Satanás o odor sulfuroso que emana
O bafo sinistro e intestino que o último ar prevê?
Será o olhar que m'atraiçoa este corpo cordeiro?
Caixão de minh'alma já perdida, impura e insana
Contemplai os dias longos qu'em espera morrem
Deixados ao acaso em histórias d'um casto amor
E nestas mãos esquecidas de um pobre mendigo
As palavras comuns os diabos que as carreguem
Nas águas do Estige por duas moedas sem valor
E o silêncio desse e de outro mundo sem abrigo
E vós que por louca misericórdia pisais este chão
Voais nos céus discordantes dos deuses olímpios
E navegante seguis rumando em águas atlantes
Sois um ser platónico que existe de alheia ilusão
Que tem fome de ser esse Marte de olhos ímpios
E vai disfarçado de gente nas danças coribantes
Entra o tinhoso em cena e diz para os presentes
Vede ali o pobre diabo nu em vestes de Caronte
Que sedento de almas leva a terra bendita barca
E em suspiros cerra tristes os olhos a tais gentes
Eis que o tentam ludibriar esses d'olímpio monte
Mais uns que se dizem guardiães da divina arca
Atónitos e de frios arrepios iam os espectadores
Perante tão hórrida aparição e dantesco discurso
De um que lhes levava dessa vida alguma morte
E pouco mais dedicava que duas amargas dores
Essa de mãe que desenhou dos filhos o percurso
Outra de filhos que jogaram o futuro à sua sorte