Wilson era uma pessoa muito simpática e brincalhona. Tão popular que muitos o consideravam até meio irresponsável com os assuntos que mereciam uma maior seriedade. Mas esse era o jeitão dele de ser e, ao que tudo indicava, em nada o atrapalhava no modo de se relacionar com as pessoas, muito pelo contrário.
Sempre com um sorriso mais do que agradável para qualquer situação em que se visse envolvido, angariava constantemente novas amizades com surpreendente facilidade, fazendo com que se tornasse uma pessoa muito estimada no pequeno círculo em que vivia numa cidadezinha do interior.
Era uma espécie de palhaço da turma. Aquele que sempre tinha uma piada na ponta da língua pronta para detonar no momento apropriado, ou inapropriado. Uma figura disputada não somente pelos seus amigos, mas também, e principalmente, pela mulherada toda em razão do belo aspecto físico com que havia sido agraciada pela mãe natureza.
No colégio não se podia dizer que fosse um aluno que se projetasse pelas suas qualidades intelectuais. Não obstante possuidor de uma inteligência mediana, tinha fama de ser meio relaxado nos estudos, esforçando-se apenas para auferir notas médias suficientes que lhe permitissem vencer cada período sem grandes preocupações.
Este era o seu modo singular de ser. O tipo bonachão que a todos agradava e divertia com a sua irreverência. Fato esse que motivava algumas críticas veladas de seus mestres a esse modo descontraído e gozador que, às vezes, o deixava em sérios apuros.
E gostando de viver essa vida divertida e gozadora, conforme sempre dizia, chegou ao último período do segundo grau no colégio que frequentara por quase toda sua vida escolar. E no dia da formatura, quando todos estavam reunidos no pátio para o recebimento dos certificados de conclusão do curso, lá estava ele fazendo brincadeiras com os seus colegas formandos e as pessoas presentes à colação de grau.
Ao final das festividades estudantis, e após haver se despedido de todos os companheiros de turma, resolveu que faria uma pequena viagem até uma cidadezinha próxima, local onde conhecia alguns amigos e pretendia passar uma pequena temporada para descansar o corpo e a mente para os novos desafios que ainda teria que enfrentar na vida.
Após arrumar as coisas essenciais que precisaria utilizar enquanto por lá estivesse, prometeu a sua família que estaria de volta brevemente já que precisava fazer inscrição para o vestibular de uma universidade que ficava localizada na capital. E isso era algo que não poderia ser deixado para mais tarde, já que o prazo final se daria em menos de dez dias. Tempo que ele achou suficiente para que ficasse um pouco por lá antes de se dedicar aos preparativos para o seu ingresso no curso superior.
Chegando na pequena rodoviária de sua cidade, comprou passagens de ida e volta para se prevenir de qualquer eventualidade. Sua família por certo não o perdoaria de jeito nenhum. Já bastava a fama que tinha de eterno gozador e irresponsável O que diriam se não levasse a sério esse compromisso?
Acomodado na última poltrona perto do banheiro, local que geralmente ficava vazio em razão do cheirinho que exalava, era o seu lugar preferido porque sempre lhe permitia esticar as pernas e, às vezes, até deitar-se completamente e tirar uma boa soneca até o destino final. Isso sem falar que, num aperto, estaria com a mão na massa para o que desse e viesse.
Assim que o veículo se pôs em movimento, percebeu que uma passageira retardatária entrou rapidamente no ônibus e se dirigiu para o local em que se encontrava.Talvez só estivesse indo ao banheiro, pensou ligeiramente.
Para sua surpresa, veio sentar-se ao seu lado colocando as sacolas e a bolsa a poucos centímetros dele, não sem antes esboçar o sorriso mais lindo que tinha visto até então naquelas paragens, onde praticamente conhecia todo mundo.
Não pode deixar de ficar um pouco excitado com a possibilidade de estar viajando com uma gatinha como aquela que, ao que parecia, havia simpatizado com ele ao escancarar um sorriso que pos à mostra todos os lindos dentes de uma brancura como há muito tempo não via. Isso sem falar nas coxas grossas, rígidas e bem torneadas que exibira enquanto, descuidadamente, ajeitava a curta saia que vestia,
Wilson a essa altura já estava achando que a viagem seria inesquecível. Afinal, com tantos lugares vazios por que razão ela decidira sentar justamente ao seu lado? Ainda mais naquele lugar que quase ninguém gostava de viajar por razões mais do que óbvias. Achou com uma certa vaidade que ela poderia ter sido atraída pelo seu charme irresistível de reconhecido conquistador na cidade em que vivia.
Não querendo deixar passar a oportunidade, apressou-se em se apresentar àquela linda desconhecida antes que algo, ou alguém pudesse inviabilizar sua galante investida ao objeto de prazer que o destino (?) havia colocado ao seu lado.
Então se dirigindo à sua bela companhia de viagem, apresentou-se com toda mesura para causar a melhor impressão possível, ao tempo em que mostrava o seu melhor sorriso como fator coadjuvante à sua ensaiada performance de galanteador irresistível, segundo os seus próprios conceitos.
Ela, totalmente receptiva a sua iniciativa, retribuiu da mesma forma, acrescentando o detalhe de ter mexido sensualmente nos cabelos loiros, lisos e compridos, lançando-os para trás com um movimento de cabeça num gesto por demais comum a quase todas as mulheres.
Logo após, estendeu sua mão alva e lisa como porcelana para cumprimentá-lo e dizer que era também para ela um grande prazer estar conhecendo o seu companheiro de viagem, acrescentando que enquanto estivessem conversando nem sentiriam o tempo passar.
Feitas as devidas apresentações, acomodaram-se da melhor maneira e iniciaram uma conversa formal que incluía as perguntas básicas para esse tipo de conhecimento casual: nome, o destino, onde morava, o que fazia, do que mais gostava, se tinha namorado (a), etc, etc.
Saciados em suas inquirições iniciais, ficaram algum tempo olhando para os lados à procura de algo substancial que pudesse sustentar aquele relacionamento recente, pelo menos até o destino final da viagem que deveria durar algo em torno de três horas, aproximadamente.
Wilson enquanto procurava iniciar uma conversa mais duradoura, não pode deixar de olhar para aquela criatura com mais detalhe sempre que essa lhe dava chance para isso. Não queria constrangê-la de forma alguma, e somente iniciava a observação do “monumento” ao seu lado quando ela estava com a atenção desviada para a paisagem que ia sendo descortinada à medida que o ônibus avançava velozmente rumo ao seu destino.
Nestes pequenos instantes, pode avaliar com segurança que ela possuía atributos por demais excitantes. Não somente belas pernas e coxas, mas também uma cinturinha fina, seios de tamanhos normais, porém consistente e de belo formato, além de uma pele cheirosa e lisinha como lhe convinha, concluiu, já imaginando uma maravilhosa cena futura caso aquele contato casual desse em alguma coisa proveitosa para ambos.
Mais alguns instantes de indecisão de ambas as partes sobre um assunto que pudesse entretê-los enquanto durasse trajeto entre as duas cidades, ele tomou a iniciativa e começou a falar dos seus projetos acerca do que faria após formar-se na universidade para qual pretendia fazer vestibular. Divagou mais sobre as possibilidades que exploraria acerca da profissão que pudesse oferecer um rápido retorno financeiro e que lhe permitisse levar uma vida despreocupada muito antes que viesse completar os quarenta anos.
Então percebeu que ela ouvia a tudo com um ar distraído como se não estivesse “ligada” no que ele dizia com tanta ênfase. Fato que o levou a pensar que talvez aquela conversa não fosse a ideal para o propósito que tinha em mente: conquistar aquela beldade a todo custo para poder realizar os seus sonhos mais loucos que já estavam sendo acalentados em seu consciente.
O que fazer? Talvez devesse mudar a tática e iniciar uma outra conversa que a agradasse e induzisse a lhe dar a devida atenção. Por certo que isso seria algo de maior relevância para que tivesse alguma chance de conseguir algo mais do que uma simples companhia de viagem. Não se podia permitir perder uma oportunidade daquelas com uma garota do "outro mundo”.
Antes que pudesse iniciar uma outra conversação, foi bruscamente interrompido por ela que indagou se ele se achava realmente uma pessoa muito popular no meio em que vivia.
Isso lhe causou uma certa surpresa. Afinal, por que estaria fazendo essa indagação? Seria possível que a sua fama de brincalhão, galanteador e gozador já houvesse transposto as fronteiras da região em que sempre morara?
Esse pensamento fez com que sorrisse disfarçadamente. Seria muita presunção de sua parte, com toda certeza. Deveria haver uma explicação mais lógica para aquele questionamento. Talvez, quem sabe, alguma de suas amigas a conhecesse e tivesse dado algumas informações a seu respeito?
Então, virando-se para ela, agora bastante curioso, indagou do por que daquela pergunta tão pessoal?
Ela, demonstrando a maior naturalidade possível, respondeu que já tinha ouvido alguém falar dele há algum tempo, dando conta de era uma pessoa popular e divertida na região, razão que a motivara a fazer aquela indagação a respeito do fato.
Ele estranhou que dissesse isso. Não tinha lembranças de que um dia tivesse tido o prazer de conhecê-la e, sequer, tê-la visto em alguns dos muitos lugares que tinha o hábito de freqüentar com seus amigos. Também não se recordava de haver “esbarrado” com ela em nenhum outro, mesmo na cidade para a qual estava se dirigindo naquele dia e que visitava regularmente. Portanto, aquela pergunta continuava carecendo de uma melhor explicação, no seu entendimento.
Ela apenas limitou-se a sorrir para e começou distraidamente a olhar novamente a paisagem através da janela aberta, fazendo com que o vento provocasse uma pequena turbulência em seus fios de cabelos que “dançavam” lenta e harmoniosamente como que embalados por uma breve brisa de verão.
Realmente era uma cena digna de uma fotografia, pensou, esquecendo momentaneamente à sua curiosidade acerca daquela intrigante pergunta que ainda martelava o seu cérebro insistentemente. Aquela imagem enigmática, emoldurada pela exuberante paisagem que se descortinava a toda sua volta da estrada, conferia-lhe propriedades singulares e apaixonantes.
À medida que avançavam, o tempo aos poucos ia escurecendo com o entardecer que se aproximava rapidamente, dando ao ambiente aquela tonalidade avermelhada que aos pouco passava para o cinza à medida que o Sol se punha no horizonte, a esta altura já encoberto por algumas nuvens aparentemente de chuva, devido ao seu aspecto carregado.
Quando ia reiniciar a sua inquirição sobre a pergunta que lhe havia sido feita, pode perceber que ela estava mexendo na bolsa à procura de alguma coisa. Logo, demonstrando haver encontrado o que queria, levantou-se e, sem pronunciar uma única palavra, se dirigiu ao toalete de bordo levando as sacolas, a bolsa a tiracolo e o que lhe pareceu ser uma escova de cabelos de cor azul.
Foi nesse momento que teve a oportunidade de ver que ela também possuía um belo traseiro empinado e para lá de sensual. Um verdadeiro “achado”, digno dos maiores elogios.
Após ela ter fechado à porta, Wilson pode ouvir nitidamente o barulho do ferrolho sendo acionado por dentro para travá-la. E nesse momento não pode evitar um pensamento maroto:
Ah ,se pudesse ficar lá dentro com aquela gatinha seria algo sensacional, inesquecível, mesmo com todo o balanço e o exíguo espaço existente para uma só pessoa. Mas seria pedir demais a Deus. Ele não mereceria uma dádiva dessas, concluiu conformado com suas ilações despropositadas.
Estava então absorto nesse pensamento quando, de súbito, ouviu um barulho maior como se alguém, ou algo, houvesse caído do lado de dentro. Pelo som, mais parecia algo pesado como...um corpo?
Meu Deus! Gritou Wilson sem que pudesse evitar. Será que ela tivera um mal súbito qualquer e desmaiara? Algo precisava ser feito e depressa.
Imediatamente bateu na porta seguidas vezes na busca de uma sinal qualquer que revelasse o que teria ocorrido no interior do banheiro. Como não teve resposta, colocou às mãos na maçaneta e tentou girá-la para ver se conseguia abri-la, sem sucesso. Já meio descontrolado, deu com os ombros na divisória para que cedesse e permitisse o acesso ao interior do recinto. Mas em que pese os esforços desenvolvidos a porta não havia sido movida um milímetro sequer.
A esta altura, os passageiros e o próprio motorista, que já havia parado o ônibus no acostamento, vieram correndo saber o que estava acontecendo, fazendo com que aquele diminuto espaço ficasse saturado de gente a ponto de ocasionar um certo tumulto.
Como todo mundo estava falando ao mesmo tempo, procurando colocar um pouco de ordem na tremenda confusão armada, o motorista pediu que todos se calassem e se afastassem do local de forma a permitir que ele pudesse melhor inteirar-se da situação.
Com os passageiros retornando aos seus assentos, embora continuassem atentos a tudo que ocorria, o condutor do veículo indagou de Wilson o que estava acontecendo para que ele ficasse esmurrando o compartimento em que se localizava o reservado.
Wilson então disse que ouvira um estranho barulho e achava que a passageira deveria estar desmaiada no seu interior, já que não respondia às batidas na porta que havia feito insistentemente.
Então pedindo licença para que pudesse melhor se aproximar, o motorista tirou uma chave do colete do seu uniforme e com ela tentou abrir o toalete que aparentemente se encontrava fechado por dentro.
Porém ao introduzi-la na fechadura, e antes mesmo que pudesse movimentar a chave, o compartimento abriu naturalmente como se já estivesse destrancado. Mas ao contrário do que todos esperavam, segundo o relato do Wilson, não existia ninguém lá dentro. Este se encontrava totalmente vazio e sem vestígios de qualquer objeto que pudesse ter despencado ao chão e provocado o barulho a que Wilson se referira ter ouvido.
Como seria isso possível, indagou-se Wilson. Onde estaria a moça que se trancara diante de seus próprios olhos? E o barulho que ouvira? O que o produzira?Como poderia ela ter saído daquele pequeno espaço sem que ninguém a visse? Não existia nenhuma janela internamente que pudesse ser utilizada como saída de emergência. Mas, no entanto, não havia ninguém lá dentro. Isso era algo inacreditável.
Para resolver o problema, o motorista começou a fazer a contagem dos passageiros para saber se, realmente, alguém havia se “perdido” dentro do toalete. Após a verificação, posteriormente checada com os bilhetes recebidos, verificou-se que o número de passageiros estava exato, ou seja, não existia mais ninguém no veículo que não aqueles que já ocupavam os seus respectivos lugares.
Uma sensação estranha tomou conta de Wilson que rapidamente começou a empalidecer a ponto de sentir uma certa tonteira que o obrigou a sentar-se para que não caísse desamparado no assoalho do veículo.
Ajudado por alguns passageiros, em poucos minutos foi se recuperando gradativamente, embora sua expressão continuasse demonstrando um intenso pavor pela experiência que havia passado há poucos momentos. E por mais que tentasse raciocinar com claridade, não conseguia entender o que ocorrera exatamente diante de seus olhos. Estaria ele sonhando? Que destino tomara aquela figura em forma de gente que se desvanecerá sem uma explicação razoável? Como poderia somente ele ter dado conta de sua presença num transporte com um pouco mais da metade dos lugares ocupado? Como aquela criatura pudera saber coisas a seu respeito como se fosse a sua própria consciência?
Essas perguntas ficaram martelando o seu cérebro, mesmo depois da chegada do ônibus ao seu destino e nos meses subseqüentes aos fatos que ficaram lembrados como sendo dos mais bizarros ocorridos na região.
Wilson a partir desse dia nunca mais foi o mesmo, perdendo todo o jeito que o tornara uma pessoa popular e disputada pelo sexo feminino. Nem mesmo havia feito a inscrição para o vestibular devido ao seu estado de ânimo. Era outro indivíduo, sempre sério e, agora, introvertido, como se estivesse ainda tentando encontrar uma explicação plausível para o que lhe tinha acontecido naquela aterrorizante viagem que o marcara de forma indelével.
E a incerteza do ocorrido permaneceu em sua vida até que veio falecer alguns meses depois vítima de um mal súbito cujas causas ficaram ignoradas até hoje pela medicina.
Após o seu passamento, a vida continuou o seu ritmo normal na pequena cidade em que vivera, e Wilson acabaria sendo esquecido naturalmente por todos não fosse a ocorrência de eventos estranhos narrados por pessoas merecedoras de todo crédito.
Alegavam essas testemunhas que uma linda e jovem mulher loira constantemente era vista ao lado do seu túmulo. Segundo as mesmas, a visão estava com seus longos cabelos sempre esvoaçantes, mesmo quando não havia nenhum vento que os pudessem agitar, o que tornava a cena mais intrigante ainda para os que a observavam a uma respeitosa distância. Diziam também que ela sempre segurava uma escova azul com a qual alisava os cabelos regularmente.
Nunca ninguém soube ao certo de quem se tratava, mas alguns dos antigos amigos de Wilson diziam que ela se parecia muito com as descrições que ele lhes fizera sobre a sua estranha companheira de viagem naquele dia inesquecível de puro terror.
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Companheira de Viagem