Certa vez, uma conhecida, próxima à época, me disse que pensava no seriado Chaves como sendo improvisações; não imaginava que era um programa roteirizado. Claro, havia um grau de ironia na afirmação, um tom jocoso de quem julgava o programa simplório, bobo — coisa para crianças. E esse, parece-me, é um sentimento comum em relação à obra.
No entanto, Roberto Gómez Bolaños era um homem extremamente inteligente, conhecedor da tradição literária e filosófica, aficionado pelos clássicos, razão pela qual recebeu o apelido de "Shakespearito" (pequeno Shakespeare). Chaves, ao contrário do que possa parecer à primeira vista — especialmente por conta dos poucos recursos financeiros, com a locação em um único cenário ilustrando bem essa condição —, teve uma base teórica sólida.
Bolaños alicerçou seu seriado numa escola filosófica helenista chamada Cinismo. A palavra "Cinismo" origina-se do grego kynismós, que significa “como um cão”, refletindo o modelo de vida de seus adeptos. Os cínicos acreditavam que a virtude residia em aceitar as consequências de uma vida sem posses ou pretensões, ou seja, a felicidade além dos bens materiais. O grande expoente dessa corrente foi Diógenes de Sinope, um aristocrata que renunciou às suas riquezas para viver em um barril.
Para além do paralelo óbvio da morada no barril, há nos personagens de Chaves a essência dessa ideia: todos eles só encontram felicidade ao superar as barreiras do desejo material. É a alegria espontânea de Chaves ao ser convidado para Acapulco pelo Senhor Barriga; é a partilha de comida e bebida entre ele e Don Ramón; é o orgulho de Dona Florinda ao ver o vizinho assumir a culpa pelos churros comidos pelo menino faminto para protegê-lo. Os exemplos se multiplicam, e os paralelos tornam-se cada vez mais evidentes.
Outro elemento que se destaca é a relação entre conteúdo e forma: por serem escassos os recursos financeiros, tratar da falta desses recursos na vida das pessoas acabou por ser uma escolha perfeita — aquele toque circular que nos dá a satisfação de ver a simbiose entre o tom proposto e a semiótica da narrativa.
O retorno de Chaves ao SBT me fez refletir sobre a importância desse programa em minha vida e me levou a tentar compreender suas raízes mais profundas, aquelas que muitas vezes nos escapam. Que nós, latino-americanos, nos parecemos em nossas batalhas pela sobrevivência, sempre foi claro.
Curiosamente, a afirmação dessa conhecida — ao tratar o programa como improvisado e bobo — revela o cinismo no sentido atual da palavra: uma descrença irônica na possibilidade de uma obra aparentemente tão simples conter algo mais profundo. No entanto, Chaves desafia essa visão ao mostrar uma complexidade enraizada na investigação da condição humana, que é a essência de qualquer arte, não apenas em seus temas, mas na própria razão de sua existência.