Poemas : 

Olhar Cego nº 36

 
[Este texto não pertence à Administração. Trata-se de uma colaboração de um Luso-Poeta, que participou de forma anónima no jogo "Olhar Cego". No final, revelaremos a sua identidade. Convidamos os utilizadores a pontuar e a comentar o texto à vontade, como fazem com qualquer outro.]

ofício dos egressos

já vivi de cânticos e vinho novo
do torso dançante de uma hebreia
e de um escapulário de esperança

era o tempo da profecia
e dos sismos

mas a solenidade do outono
encontrou-nos despidos sob as figueiras
e viu o nosso norte e coagiu-nos à fuga
tocados a sinais

era o tempo do cativeiro
e do exílio

segundo a lei
habitámos a câmara ardente
que deita dia sim dia sim
para um horizonte de têmporas
e cantochão
onde antes só se encapelava
o estuário das nossas bocas

cruzávamo-nos uma e outra vez
e desdenhávamos do engenho
que se entrega a outros
de menos conta

nunca aprendemos
a descoser a sintaxe e a pontear rimas
que nos perdêssemos pelo rigor mortis
não por destoarmos no coro dominical

certa noite cingimos a pele
com braçais de luto
e contemplámos uma vez mais
as linhas de fogo que nascem
e morrem com o vento shamal

eram as vozes que nos amortalhavam
para o deserto

era o tempo do abandono
e da entrega

não mais nos trago comigo
versos são toda a nossa herança
mas quando por saudade
repito esconjuros para despertar
a caligrafia da memória
é inevitável perguntar
qual será a razão
para a mais longa palavra
da nossa língua
continuar a ser uma doença

 
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Luso-Poemas
 
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Enviado por Tópico
Alemtagus
Publicado: 01/10/2024 18:02  Atualizado: 01/10/2024 18:02
Membro de honra
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Localidade: Montemor-o-Novo
Mensagens: 3407
 Re: Olhar Cego nº 36
A riqueza do vocabulário dá um aspecto erudito ao texto que, mais que poético, é descritivo. Religioso e político.
O aspecto teológico leva-nos numa viagem interessante por um tempo antigo, a Mesopotâmia soprada pelo Shamal e entre esse vento norte... o pecado, as leis, as regras, o tom acusatório das escrituras, o castigo e o esconjuro.
A questão política, aqui subliminar, resume-se ao que era e ao que é, mas deixa de parte o que poderá ser ou o que nunca será, talvez um grito de revolta, talvez outro de esperança, talvez mais nenhum.

Um poema complexo, de vocabulário complexo... não será para todos os olhos.

Enviado por Tópico
MariaMorena
Publicado: 01/10/2024 19:06  Atualizado: 01/10/2024 19:20
Colaborador
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Localidade: Argumentar sem agredir é ser grande.
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 Re: Olhar Cego nº 36
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…ofício dos egressos…(um poema que me falta conhecimento para comentar, desconheço o sentimento)

…uma hebreia…( parece que o sagrado nos prende dentro dos livros)

…coagiu-nos à fuga
tocados a sinais…( nesta História são tantos os exílios)

…encapelava
o estuário das nossas boca…( esses versos traz algo bom, um desejo de repetir)

…nunca aprendemos
a descoser a sintaxe e a pontear rimas…( essa é uma cultura boa e quem assim negar que nunca mais cante ou dance, vive em seu canto triste)

…repito esconjuros para despertar…( o mal não merece ser passado pano)

E triste e perigoso aceitar a ignorância de um povo( ???) que os perseguem .

Enviado por Tópico
Benjamin Pó
Publicado: 02/10/2024 14:16  Atualizado: 02/10/2024 14:42
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 Re: Olhar Cego nº 36