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Rogério Beça | Publicado: 24/12/2024 12:13 Atualizado: 30/12/2024 09:51 |
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![]() Parto para este comentário com a impressão de que é para não se fazer.
É o que, de certo modo, nos diz o título, que intriga desde o primeiro instante. No instante a seguir, tenho, novamente, a impressão de não ter a certeza se devo começar a leitura do princípio para o fim, ou vice-versa. Ou do meio em qualquer das direções. Desde então apercebo-me que há qualidade, pois não há superioridade nem inferioridade em qualquer dos versos. Arrisco-me a dizer, em qualquer das palavras. Uma estrofe de oito versos, acho que dá para classificá-lo como uma esparsa, sem rima. "Sem efeito". O título tem uma aliteração de Es, e é uma negativa, que é uma anulação de quase tudo. Apenas não se anulará, se o corpo do texto for ele mesmo uma nulidade. Como na gramática se diz duma dupla negação ser uma afirmação. Uma anulação de quê, neste caso? Na presença do “desamor”. É elegante a inversa do amor usar a palavra como sufixo. Por outro lado, há a anulação duma palavra que pudesse ser sinónimo dessa inversa. Falamos do ódio? Da indiferença? Da amizade? Da paixão? Este poema conquista-nos cedo. Logo no primeiro verso. O mistério, que suscita a “...bruma...” (qualquer uma) vem adjetivada com um superlativo imponente: que território é maior do que um império? Depois o sujeito poético apresenta um capricho no quinto. “...escrevo à condição...” mas, como o escrito está feito e estamos a ler, a condição deve ter sido satisfeita. Ou não? A dita bruma, depois, como qualquer névoa que se digne, ainda mais com tal tamanho, ocupou todo o ser do sujeito poético, toda a existência, toda a vontade, todas as posses, todos os sentires, todos os sentimentos. Mas destes, são destacados dois impedimentos, em versos distintos. No primeiro caso “...o coração de ver...” e no segundo “...os olhos de amar...” havendo um génio, comedido, da inversão dos papéis no órgão em relação à sua função. Embora o coração amar seja discutível, para os devidos efeitos (apesar do “Sem efeito” do título), há um teor romântico e poético em que é aceitável, ou ainda, exigido. Voltando ao capricho, do que se trata? Da vontade do sujeito poético em ver o escrito apagado, no caso do desamor ser o mote. Mas o brilhantismo continua, simplificando e complicando o que acabei de definir, numa frase. No uso do “...gastas...” e “...consumidas...” na mesma ideia, tendo sentidos simétricos. No “...apagarem as palavras...”, colocando outra(s) personagem(ns) que não o sujeito poético na narrativa. Insinuando o uso de ferramentas nessa execução (que apagador será?). No imediatismo do “...logo que...”. Do “...desamor” já falei. Resta-me lembrar que o título passaria a ser "Com efeito", com a substituição da última palavra, de "...desamor", pelo amor. “Sem efeito”, no fundo, é um não-poema que circula sobre si mesmo e deixa-nos numa mais do que agradável confusão. |