Ouvi o vento nas árvores,
Ouvi o canto dos pássaros,
Ouvi a chuva. O chuá da cachoeira.
O cheiro do afeto, das flores e do afeto
O cheiro dos bichos, do vendo e da chuva,
O cheiro do esgoto e da podridão.
Vi o mar, o por do sol sobre as nuvens,
Vi a semente nascer, a árvore crescer e florescer,
Vi o dia amanhecer, e cada momento acontecer.
Comi o lanche de esquina,
Comi o fruto no galho,
Comi a ceia de Natal.
Corri a pé, de bicicleta, para pegar o ônibus e o avião
Corri dos problemas que me alcançaram
Corri por correr, do poder, e para encontros em vão
Dormi na rua, à luz da lua,
Dormi no chão, cama de papelão,
Dormi como rei, onde só eu sei.
Sonhei acordado, sentado, em pé, isolado,
Sonhei que voava, me perdia, e que caia,
Sonhei que acordava feliz, sem saber o porquê.
Trabalhei no que detestava,
Trabalhei no que eu queria,
Trabalhei uma semana em um dia.
Senti a dor, o prazer, ossos quebrados e meu coração partido
Senti o sabor do sangue e da luta, suave ou bruta
Senti a derrota, e venci a mim mesmo.
Sofri a escuridão da ilusão,
Sofri com a esperança e a gratidão,
Sofri com a falta, com o excesso e o sucesso.
Chorei a perda, o adeus, a presença
Chorei o riso que nunca veio,
Chorei o passado, o presente e o futuro, irreal.
Caminhei sozinho, ao relento,
Caminhei com amigos, em festa,
Caminhei sem prumo, nem rumo.
Amei, fui amado e odiado,
Amei em silêncio, sem nada a dizer,
Amei o impossível e, por sofrer, sobrevivi.
Escondi a infância num abismo estreito,
Escondi a alma num cofre com defeito,
Escondi todas as chaves em meu peito.
Aprendi com o tempo, sem bússola e norte,
Aprendi com a dor, a ser mais forte,
Aprendi que a vida leve é sorte.
Abracei o medo da morte,
Abracei a solidão, na multidão,
Abracei o tempo, a cada instante segui adiante.
Cantei o amor, e a tristeza,
Cantei a paixão, e a beleza,
Cantei à plebe e à realeza.
Vivi metade da vida, perdida,
Vivi a chegada, pulei a partida,
Vivi apenas. Essa é a vida!
Souza Cruz