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AbStRaÇõEs

 
AbStRaÇõEs

Mais difícil
do que falar é ouvir
talvez calar seja fácil
e, para não ouvir, partir.

Na estação do metrô Sé,
quantas caras desconhecidas?
Cresce minha angústia já sabida.
Se não se quer ouvir ou falar, melhor ter fé,
talvez Drummond dissesse "E agora, José?".
Era um mar de ondas carnais, sem direção.
Deixo-me levar, esquecendo a aflição,
tantas calças, vestidos e sapatos.
Eram flashes de um retrato, preto e branco,
sem vida, cor ou um destino imediato,
era pura abstração.

Partir bem que deveria ser fácil,
mas não é assim.
Enfim, partir para onde?
Como é difícil chegar às estrelas!
A inutilidade da minha existência...
Na janela, apenas sombras de sujas paredes,
nem árvores, bosques, nada nem ninguém.
Por todos os lados, seres animados
digitando ferozmente,
mãos, cabeças, braços,
em um mundo virtual.

Quem sabe estou apenas em um sonho,
alguém bateu na minha cabeça, pancada forte,
faz-me delirar.
Estarei talvez no limiar entre a vida e a morte,
apenas um olho na minha cabeça,
vê um horizonte de alheamento,
como um cortejo que segue para me enterrar.
Meu Deus, como é difícil ter de partir!
Desvincular-me da realidade e me perder em abstrações.

Finalmente eu vi a aproximação da Luz,
será que ainda haveria tempo?
Quantos nomes, quantos devaneios e anseios,
tudo para acabar assim,
deste jeito, esquecido, sem nenhum conhecido.
Se pelo menos, como Jesus,
eu fosse sacrificado na cruz...
Claro,
não teria a mesma importância ou história,
mas ficaria na memória.
E, por um tempo, quem sabe,
ainda alguém diria:
Olha lá! Teve uma morte linda.

Mas não, apenas mais um desconhecido
em meio à multidão... inútil.
Fugindo para não ouvir nem falar,
tendo de partir para não ficar,
procurando no real, espaço para abstrações,
isolando toda a concretude dos elementos.
Por isso, então, não lamento,
mas o inferno está cheio de boas intenções.

Não sei como cheguei na rua, não na lua
como pensei que queria.
Não havia um céu estrelado, nem anjos,
nem ninfas, sátiros ou arcanjos.
Havia um enorme carro branco,
caras agora conhecidas, pois
eram brancas como cera.
Vestiram-me uma camisa
mal feita por alguma costureira
que me impedia de pensar,
de ouvir ou de falar.
Enfim, fácil ou difícil,
me levaram foi para o hospício.

Que coisa, não!

Alexandre Montalvan
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