Minha rua tem muita merda de cachorro
Alimentando baratas gordas e sadias
Ambos passeiam nas noites quentes
Em meio ao lixo revirado por famílias
A riqueza é soberba e ilhada da maré
Miséria visita às terças, quintas, domingos
Doações inusitadas da caridade urbana
Causando lentidão ao trabalho dos garis
Pinos na sarjeta vigiando carros de luxo
Vigias guardam a privada do público
As cabeças doem, as barrigas roncam
A dieta e o delivery, fraqueza e fome
Um carrinho de bebê na festa infantil
No bar os bêbados aguardam Caronte
Nada posso fazer na minha caminhada
Onde até a esperança ruma para a morte
Assim é a cidade e assim somos nós
Nossa solidariedade comiserada e finita
Seguros por trás de câmeras e muros
Guardados do destino que nos abraça
O manto da guerra protege o "sono dos justos"
Entrecortado pela dor das ambulâncias
Em meio ao medo e grito das viaturas
Olhar insone dos passageiros da madrugada
Acordamos pelo chicote dos alarmes
Tangidos à rua, horrores e odores
Amores impossíveis para os românticos
Música aos solitários, o luto da fome
Meio milhão, apartamento com garagem
Logo em frente a uma casa de papelão
Onde mora uma família com três filhos
Inferno em vida aos herdeiros do reino
Souza Cruz