Ulisses ao desejo poderia dar vazão
se as cordas pudessem ser cortadas?
Ele ao mar lançar-se-ia por paixão
se as mãos lhe fossem libertadas?
Ele se entregaria ao ser de magia,
em que seu corpo tudo contagia?
Então qual lenda Homero contaria,
se tal romance em tudo o contraria?
Ao drama de Ulisses se está atento,
mas lembremos, não está sozinho.
Há sim uma Sereia em seu caminho
que vive de igual seu sofrimento
Separados, desejam-se nesse mundo.
Mas a natureza os traiu. Será justo
que se beijem à tona, ou ao fundo
mas jamais possam dormir juntos?
Ser demoníaco é Sereia, disseram
Aqueles que a ela ouvidos não deram
Mas ele a deseja, se entrega a trama
Ouve a voz solitária, sente o drama.
Ela deseja a ele, e viveria fora d’água.
Ele não é peixe, se afoga em mágoas.
Ela se sufocaria, se respirasse o ar.
Ele morreria, pois não é ser do mar.
Ulisses largaria o leme, e a tripulação
Abandonaria, esqueceria sua missão
Mergulharia, e atrás ficaria a solidão
E fugiria assim de toda a atribulação
Se a lembrança da terra é só espanto,
e o encanto do canto leva ao pranto.
Se a água não basta, e se incendeia,
quer lançar-se nos braços da sereia.
Que dilema há que a lenda margeia?
Escapam dele Ulisses, e a Sereia?
Do dueto de amor, se ouvirá a voz?
Ou duelo? Sereia e Ulisses, a sós?
Souza Cruz