Crónicas : 

Ainda preciso de mim amanhã

 
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Nenhum passo se ouve, nada respira. Ninguém fala, nada se mexe. Apenas o meu olhar se move e talvez algum insecto voador.
Mas não que eu os veja, talvez nem isso exista hoje.
Se fixar algumas letras num pedaço de papel, além de toda a comoção física que se criará no imóvel meio em minha volta, talvez o que surja dê mais sentido a tudo o que não se mexe e que não existe.
Talvez. Mas não é tanto pela inexistência em meu redor. É sobretudo em mim.
Palavra de honra que é por mim.
É por tudo aquilo que tenho para dizer, claro, como também pela minha vontade de criar algo belo e apreciável, que nem sequer consigo normalmente. Mas é tão mais por tudo aquilo que não consigo que exista, que não provêm daqui de dentro, é pela minha solidão de uma compreensão absoluta de mim.
Sei lá...
Sou eu que construo, nem eu por vezes percebo, e tudo o resto rejeita. Ou pelo menos não percebe. Uma construção simultânea, uma alienação constante, um projecto novo a cada hora. E a incapacidade de seguir, a impossibilidade do agir, a inoperância que me ergueu muito do que sou e penso.
Era só preciso eu procurar-me e dizer
li aquilo, sou eu
ou então nem precisava de falar, palavra de honra que eu nem precisava de falar, bastava que sorrisse e viesse comigo.
Construo-me e não me consigo encontrar. Tem piada. É destas impossibilidades que vêm as obras mal construídas. Dum pequeno pormenor que ninguém pensou, duma pequena incompatibilidade das sinapses cerebrais.
Alguém se esqueceu de me dar um sentido.
Escrevo como quem lança pistas para mim mesmo, ainda preciso mesmo de mim amanhã.
Mas não, não se esqueceram, fui eu que não deixei.


Emanuel Madalena

 
Autor
EmanuelMadalena
 
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