Mulher
Ninguém te esperava na estação quando chegaste da viagem que fizeste ao coração do homem que não te soube merecer, nem amar.
Trazias apenas uma mala de mão onde cabia uma réstia de ilusão, um retrato antigo e um batom.
Apanhaste um táxi para a cidade de papel que desdobraste dos teus olhos cansados, e procuraste um hotel que ficasse entre a esperança e a liberdade.
Foi de lá que viste morrer o dia, e as estrelas recolherem ao céu da tua boca, incapaz de soletrares o medo que ainda te vestia.
Nessa noite ninguém baixaria a alça ao teu sorriso, nem desembrulharia do teu ventre as palavras que trazias como nós, peças soltas para remendares a solidão.
Sabes que amanhã não existe por agora, nem estás sozinha quando sonhas, por isso puxas os lençóis de água e abraças-te serena.
No dia seguinte de ti, quando vierem arrumar aquele quarto, encontrarão apenas as tuas longas asas a um canto, e um perfume por toda a parte.
Já não precisas de olhar para trás.
In: "A preto e brando"
José Ilídio Torres