Poemas : 

Papel Parede

 
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Santa Rita de Cássia acordou
no dia em que nasci frente ao papel
minha madrinha deu o que agora sou
um corpo ambulante preso na pele

os santos não querem saber se vou
na minha hora num caixão de dossel
não vão proteger carcaça que dou
tampouco chorar minha morte fel

cresci na metade dos gases nobres
entre símbolos imperiais sóbrios
com ares e mares de letras nuas

desconheço quem sabe o que tu cobres
nas meias teias de nobres opróbrios
nas luas cheias que são vénus cruas

e deus sabe as minhas provações soltas
ignora a história da minha mente
o passado das pequenas revoltas
aquilo que mexe, esquilo, no presente
o que se pode aproveitar dum pente
rejeitar moedas de sedas caras
enjeitar crentes crendo diferente
enquanto choro e coso plantas raras
sei agora do paraíso onde paras
do coberto quente que tu fizeste
das estrelas que roubaste e separas
apenas uma amparas e me deste

..mas da luz fugiu e fiquei com sem nada
..afinal é normal: papel parada






I got that feeling
That bad feeling that you don't know
(Massive Attack)

 
Autor
Beatrix
Autor
 
Texto
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Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
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Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 03/06/2024 07:22  Atualizado: 03/06/2024 07:22
Usuário desde: 06/11/2007
Localidade:
Mensagens: 2054
 Re: Papel Parede
Este teu estilo, não me é nada estranho...
Muito elevado e a meu gosto, deixa que te diga.

Fazes-me lembrar alguém.

Bem-vida.

Favoritei, mas ainda tenho, e muito, de pensar nele.

Abraço

Parte 1


Enviado por Tópico
Alpha
Publicado: 03/06/2024 22:57  Atualizado: 03/06/2024 22:57
Membro de honra
Usuário desde: 14/04/2015
Localidade:
Mensagens: 1985
 Re: Papel Parede
Olá, Beatrix

No corpo, a pele é laço entrelaçado
Dentro, desejos que o tempo contém
Sonhos que voam em céu estrelado
Presos na carne, onde o ser se mantém!

O papel de parede é como uma vasta tela, conferindo alma e caráter onde é colado. Com sua observância constrói narrativas muito peculiares. Ao seu olhar nada passa despercebido. Ele permanecer no tempo e no espaço o que lhe confere todos os ângulos que lhe aprouver desvendar!

Gases nobres, guardiões de sonhos profundos que se deixam embriagar na aridez de seus desertos! Ao largo, os mares de letras nuas as palavras flutuam livres desprovidas de adornos e pretensões, onde a verdade se despe de artifícios.

Esta simbiose de emoções são como melodias soltas ao vento em que cada lágrima desenha caminhos efémeros no rosto em conexão com a sua humanidade!

Pois, a Alice Maya, bem me parecia!


Cordiais saudações

Alpha



Enviado por Tópico
Benjamin Pó
Publicado: 04/06/2024 11:28  Atualizado: 04/06/2024 11:30
Administrador
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Mensagens: 479
 Re: Papel Parede p/ Beatrix


Enviado por Tópico
AlexandreCosta
Publicado: 04/06/2024 11:58  Atualizado: 04/06/2024 11:58
Super Participativo
Usuário desde: 06/05/2024
Localidade: Braga
Mensagens: 195
 Re: Papel Parede
Ficar sem nada é o preço da imortalidade!
Uma dor de parto para um filho eterno quanto valerá!?
Hás-de parir muitos mais!
Parados que fiquem à espera de um olhar... e até tu poderás renascer neles mais tarde acaso um dia te perguntes " fui eu quem escreveu isto?"
é o meu primeiro favorito aqui! :)))


Enviado por Tópico
HorrorisCausa
Publicado: 05/06/2024 14:27  Atualizado: 05/06/2024 14:27
Administrador
Usuário desde: 15/02/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3676
 Re: Papel Parede / Beatrix
olá Beatrix

quando o papel , neste caso o de parede está gasto ou mesmo o padrão perdeu seu encanto, melhor é arrancar, renovar. o normal não é ficar parada a apanhar pó. pintar paredes é uma boa terapia.
de resto...teu adn de escrita está naquilo que sempre foste.
absolutamente soberbo.

beijo

atenciosamente
HC


Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 06/06/2024 16:12  Atualizado: 07/06/2024 06:28
Usuário desde: 06/11/2007
Localidade:
Mensagens: 2054
 Re: Papel Parede
Parte 2

Este poema começa e acaba com um "de" omisso.

Com alguma facilidade penso no título e o "Papel..." é DE "...Parede".
Assim como no último verso ma parece que o "...papel..." é DE "...parada."
No primeiro caso ainda consegue passar a expressão incólume. O objeto Papel de Parede pode ser convertido em papel parede sem perder o significado.
Este autor contudo não parece dada a lapsos.
"...papel parada." perde o sentido sem DE.
Parada pode ser um nome. Como na parada militar. Ou pode ser um adjectivo a caracterizar o nome Parede, tendo por sinónimo, por exemplo, quieta.
As duas palavras, muito próxima na escrita, têm momentos de oposição.
O "Papel de Parede" é uma forma desusada de decoração de uma superfície vertical que é usada na separação e construção de espaços. Entre quatro paredes tudo é possível.
O "papel de parada" (as minúsculas) é uma acção que determina inacção.

Com isto, somos obrigados a ler o poema, a ver se há mais paredes, ou se conseguimos descobrir outro papel.

Do ponto de vista formal há particularidades, também.
Este poema podia estar categorizado como Sonetos.
E o plural é factual. Para os mais distraídos, após o soneto tradicional (talvez seja um erro chamar assim) ou italiano, o que é escrito depois é a versão inglesa.
Sobrepostos desta maneira, ficamos a pensar, ou a imaginar, qual teria sido a intenção do autor.
Podemos sempre ser criativos e ver no italiano uma simetria, um emparelhamento de quadras e tercetos, e dentro dos tercetos uma tendência para serem a conclusão duma história que começou nas quadras.
No inglês não é assim. O começo, por assim dizer, é mais longo, com uma esparsa de 12 versos, e 1 dístico, que tem, obviamente, menos versos. Terá menos impacto?

A relação dos dois sonetos não é muito pacífica.

O primeiro conta uma história mais amarga.
A alusão ao acordar da santa padroeira dos impossíveis ao nascer do sujeito poético "... frente ao papel..." não é inocente.
Será o nascimento para a escrita?
Nele, o verso que se revela mais positivo é o primeiro verso do primeiro terceto. A nobreza, lá constante, traz o conjunto para uma forma mais suave que não existe até aí.
"... opróbrios..." à parte...
O segundo soneto, apesar da linguagem crua e dura, tem um travo mais doce, de espera.
Ficar "...com sem nada...", ainda que aparente ser uma dupla negação, é além de um exemplo dos inúmeros versos com criatividade e audácia, é um contratempo ao resto do soneto, em tons iluminados.

Resta-me salientar a riqueza vocabular, as aliterações de fino recorte, mais do que as rimas as semelhanças entre palavras, as repetições de consoantes; as metáforas, e um esquilo no meio... Nomeio.

Entre parede e parada acho que a imagética do poema ganha.
O poema, é pleno de movimento. Haja papel.

A minha maior dúvida, é sobre "...o que se pode aproveitar num pente...", sinceramente, não sei.

Arrojo não te falta.

Claro que queremos mais...
Acho eu.

Abraço.


Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 07/06/2024 00:34  Atualizado: 07/06/2024 00:34
Membro de honra
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 Re: Papel Parede
Aplausos. Um divã dentro de ti. De nós. Nem sei quem pode cobrir esse nu. Que dimensão é essa? Desconcertou-me essa beleza pungente. Preciso de todos os Santos e deuses. Bjs


Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 07/06/2024 00:34  Atualizado: 07/06/2024 00:34
Membro de honra
Usuário desde: 25/01/2009
Localidade: Pouso Alegre - MG
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 Re: Papel Parede
Aplausos. Um divã dentro de ti. De nós. Nem sei quem pode cobrir esse nu. Que dimensão é essa? Desconcertou-me essa beleza pungente. Preciso de todos os Santos e deuses. Bjs