Outro dia alguém me disse que o Brasil nos envergonha.
Eu quis saber o que é que nos envergonha:
É a fome que nos come?
É a fome que põe trovões nas barrigas?
É a fome que faz a gente dançar:
Por falta do pão que alimenta a alma,
Por falta do açúcar e do sal no processo eleitoral?
É a fome que faz a gente dançar
No carnaval dos que colhem sem plantar?
É a fome que faz a gente dançar:
Diante da TV, dos jornais e das novas mídias?
É a fome que faz a gente dançar:
Nos recursos naturais,
Nos juros colossais
De uma dívida que a gente não fez?
É a fome que faz a gente morrer de medo
Do desemprego, do mar carcerário, do trânsito sanguinário?
O que é que nos envergonha?
Quase caí de costas quando ouvi a resposta:
– Nossa postura diante do mundo.
Não condenamos o invasor na Ucrânia
E não apoiamos Israel.
É vergonhoso o nosso papel.
Não estamos indo em um bom destino,
Defendemos até a criação de um Estado Palestino.
Eu quis saber se ele sempre condenou o invasor,
Ele titubeou, lembrou-se do que não queria lembrar
E pediu licença para ir ao banheiro.
Eu fiquei com os meus botões:
Será que uma vida na Palestina
Não tem o mesmo valor que uma vida na Ucrânia?
Uma criança, uma mulher, um inocente palestino
Não têm o mesmo valor, não estão no mesmo plano
Que uma criança, uma mulher, um inocente ucraniano?
Não surfar nessa onda de dois pesos e duas medidas
É um ato vergonhoso ou vergonhoso é o mistério
Que passeia nessa falta de critério?